tag:blogger.com,1999:blog-20042305650767470452024-03-12T21:22:08.068-07:00Cafe com ContoSemanalmente o blog Café com Conto publicará um conto e uma receita de café de Renato Kress.Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.comBlogger52125tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-53511249204342403412010-10-26T13:31:00.000-07:002013-10-02T18:37:31.662-07:00O Cappuccino perfeito<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQIHNGwd3sk5LV_8Pp1ISkMq_d1hTaNcISTaME_LQyob08RoUM6lhszJ0S_Q8_m71ybns7mo4N3wZ6UaImfbjNXzw5WiIhJkxk8XJdR0EVt11i414G5pPG72qETrbWzUC0r4ONzzn93Iez/s1600/cappuccino_01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="288" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQIHNGwd3sk5LV_8Pp1ISkMq_d1hTaNcISTaME_LQyob08RoUM6lhszJ0S_Q8_m71ybns7mo4N3wZ6UaImfbjNXzw5WiIhJkxk8XJdR0EVt11i414G5pPG72qETrbWzUC0r4ONzzn93Iez/s320/cappuccino_01.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: blue;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: blue;">Homenagem a Mircea Eliade</span></div>
<br />
- É porque você já tinha me dito que o cappuccino daquela cafeteria no Leblon era o melhor. Só por isso.<br />
- Verdade, a mais pura verdade. O melhor, sim. Daquele dia, naquela hora. Sentaí.<br />
<br />
Sentaram então tio e sobrinho numa mesinha estreita, onde não se poderia apoiar cotovelos, num ambiente amadeirado à meia luz. O cardápio era em A4 reciclado, folha em pé, dobrado ao meio, com um barbante retendo as folhas juntas. A capa, de papel canson, simples, escuro. Havia apenas a imagem de uma xícara negra fumegante no centro e a palavra "especiais" abaixo. Talvez o cardápio tivesse um cheiro. Ou o lugar inteiro.<br />
<br />
Rafael, o sobrinho, olhos saltitantes por sobre os ombros do tio, vidrado na rua, na passagem das pessoas, especialmente mulheres. Suas costas se arqueavam para trás junto com seu queixo, a cada par de pernas que chamasse atenção. E eram vários, os pares. Seus dedos corriam a lateral da mesa, escorregavam e lhe caíam no colo, onde procuravam uma qualquer coceira que não se justificava. As poucas vezes que pousava o olhar sobre o tio ou sobre o cardápio acompanhavam um movimento labial de pressão ou insatisfação que logo alçava voo e pousava, aqui e ali, sobre a garçonete, duas meninas conversando, ou a porta do banheiro feminino.<br />
<br />
Foi quando o tio desceu o cardápio e prendeu seu olhar no dele:<br />
- Já escolheu?<br />
- O quê?<br />
- O que vai querer. É preciso escolher um, e somente um. Pelo menos um de cada vez. Café é muito bom, refrigerante ou suco de laranja também, mas misturar não vai te levar a um lugar muito agradável.<br />
- Tá maluco?<br />
- Me diga você.<br />
<br />
Rafael se ajeitou na cadeira e olhou para o tio seriamente:<br />
- Cara, foi você quem me trouxe aqui para tomar um café. Então vamos tomar um café!<br />
Das mãos do tio escorregou o cardápio por alguns centímetros na mesa em direção ao rapaz.<br />
- Sim, mas qual? Você não acha importante escolher, definir? Ou tudo pode ser provado ao mesmo tempo?<br />
<br />
O rapaz colocou a mão sobre o cardápio sem abri-lo. Fez mais uma vez o movimento de inquietude, pressionando os lábios e expirou, encolhendo os ombros:<br />
- Escolhe você.<br />
- Por quê?<br />
- Você conhece melhor do que eu. Você é que entende disso.<br />
- Eu já escolhi. O lugar. Para que o café seja realmente bom, é necessário que ele seja moído na hora - disse o tio, apontando para o moedor de café atrás do balcão. Que os grãos sejam de boa qualidade - mostrou, abrindo o cardápio e apontando para a primeira frase da primeira página: "Todos os nossos cafés são feitos com grãos 100% Arábica". Dentre os bons cafés as diferenças essenciais estão no aroma e no tipo de bebida. O aroma pode ser "suave" ou "intenso", o tipo de bebida pode ser "dura" ou "mole", de resto a torração deve sempre ser média, assim como a moagem. O sabor e o corpo devem ser respectivamente "intenso" e "encorpado", sempre. Não tem nenhum grande segredo: tomar um bom café depende mais da escolha da cafeteria do que necessariamente da escolha do café em si. Como a maior parte das questões na nossa vida, a escolha do campo de batalha influencia diretamente no desempenho da luta.<br />
<br />
Seus dedos passaram pelo cardápio com um gosto peculiar, embora o sinal de desaprovação ainda estivesse presente na lateral esquerda de seus lábios.<br />
- Qual aquele simples que vem com espuma?<br />
- Expresso. A "espuma" se chama "crema".<br />
- Ela faz alguma diferença?<br />
- Não sei. Me diga você: por que faz questão da "espuma" no café?<br />
<br />
Ainda dedilhando o cardápio, sem tirar os olhos das opções: - Não sei. Me parece mais cremoso, sei lá.<br />
- Talvez por isso o nome não seja "espuma" e sim "crema", não acha?<br />
- É. Mas isso faz mesmo diferença? Ou é só na cara do café mesmo?<br />
- Se não fizesse diferença, provavelmente você não se lembraria desse detalhe, não acha?<br />
- Talvez. Mas eu falo no sabor mesmo.<br />
- Faz, sim. Ela preserva o aroma e conserva a temperatura. E tem outros detalhes.<br />
<br />
Os olhos de Rafael se elevaram do cardápio: <br />
- Quais?<br />
- A cor deve ser o mais próximo possível da avelã, marrom-escuro e com reflexos avermelhados.<br />
- Por que...<br />
- Porque isso garante que a moagem foi boa, o tempo de extração foi correto e o café foi bem tirado.<br />
- Nossa, é muito detalhe. Não acha isso chato?<br />
- Coloca um expresso perfeito na boca, e me diz você.<br />
<br />
Pediram. Um expresso e um cappuccino.<br />
O cappuccino foi tomado em apenas três goles consecutivos. Um mais longo e dois mais rápidos. A xícara saiu do pires cheia e só tocou a mesa quando estava vazia. Os olhos do tio estavam fechados e um leve sorriso se esgueirou pela sua boca.<br />
<br />
Rafael se contorcia na mesa, esperando o expresso "esfriar um pouco mais". Olhando para o tio, não se conteve:<br />
- Tudo isso, pra isso? - disse para o cardápio e para a xícara vazia à frente do tio.<br />
<br />
O tio pareceu ficar levemente irritado com a pergunta, mas em menos de um segundo se recompôs, pôs a xícara de lado e olhou fundo nos olhos do rapaz:<br />
- O cappuccino perfeito não tem a ver com a presença ou ausência da canela, o quanto se coloque (ou se disfarce) de bicarbonato pra criar uma espuma fictícia, quando o grão não foi moído na hora, como os cappuccinos caseiros, das fórmulas prontas. O cappuccino perfeito não tem a ver com a cremosidade do leite ou com a presença ou ausência de chantily (se ele foi feito à mão ou se é um tubinho industrializado para sacudir e limpar o birro depois). Independe se colocamos achocolatado em pó, cacau puro ou chocolate meio amargo. O cappuccino perfeito tem a ver com o momento perfeito. Ele é o clímax de um processo, o clímax de um amadurecimento de fatores que convergem para uma única xícara, num único instante, entre as nossas mãos. O cappuccino perfeito é o momento perfeito. É a transubstanciação do maior aprendizado sobre o "momentum", o que Maquiavel chamava de "occasione", o que chamamos de "oportunidade". Para que o cappuccino seja perfeito, não é necessário seguir passo a passo essa ou aquela receita, original ou inovadora. Sabe por quê? Porque o cappuccino é como a vida: é orgânico, perecível, vital. Se observamos friamente, é impossível tomarmos um cappuccino perfeito idêntico duas vezes ao longo da vida, mesmo usando a mesma quantidade dos mesmos ingredientes. Como é impossível reviver um momento perfeito, a não ser como projeção, na memória. Se tomarmos enquanto ainda está fervendo, vai ferir nossa língua, estragar nosso paladar, nos irritar. Se deixarmos que ele esfrie demais, vai perder a consistência, a essência, até que o gosto se degrade e passe a ser repugnantemente doce ou insosso. Um cappuccino, como qualquer café, é um momento perfeito: não pode ser "requentado". Ele é o que é enquanto é, e só - como qualquer experiência em nossa vida. O cappuccino perfeito é um ritual. Participar do ritual é comungar das energias manifestadas na primeira vez em que esse processo - seja ele físico, químico, emocional, espiritual - aconteceu, quando a sua criação aconteceu. Você me disse, uma vez, que o café era como uma religião para mim, lembra? Quando um fiel de uma religião participa de um rito, ele revive simbolicamente a experiência sagrada originária daquele momento. Quando se converge toda a atenção para o momento em que se está vivendo, quando todos os seus pensamentos, sentimentos, ações e percepções convergem para um único foco, se ritualiza o que se faz. Quando se ritualiza, não se está nem revendo nem comemorando, mas vivendo como da primeira vez. Tomar o café deve ser um rito, sim, como viver deve ser um rito. O ritual transforma o momento em Verbo, ou seja, faz acontecer. O verbo é ação e o rito transforma o que é relatado em realidade presente no aqui-agora, em substância material e psíquica que passa a compor a personalidade, como um símbolo toma conta da sua mente num sonho. Isso estrutura quem você é e como você é capaz de viver e compreender a vida. O cappuccino perfeito é como um mergulho nas energias primordiais da criação, numa total indiferenciação da qual você é obrigado a voltar - porque ele acaba - mas da qual você nunca voltará o mesmo. O cappuccino perfeito é um marco, ele define tudo o que veio antes e tudo o que virá depois dele, é como uma descida ao inferno ou um voo aos céus. Por sua própria natureza finita, ele implica um renascer, um confronto com a morte do que veio antes e com o nascimento do que virá a seguir. É um tempo de suspensão. Em que compreendemos que, para nascermos de novo, precisamos morrer para certas realidades. A cafeína provoca alterações no seu sistema nervoso, age sobre o metabolismo, provoca excitação. Ela efetivamente te leva para um novo estado de "consciência", de maior "alerta" em relação ao mundo e à sua realidade presente. Eleva tua energia, anuncia uma forma de viver renovada, condizente com o novo padrão de consciência aflorado. Aquele que faz essa viagem nunca retorna, pois o que volta é sempre outro. Mas para conhecer esse outro é necessário compreender a essência do cappuccino perfeito. E ela não está no café, nem no cappuccino.<br />
<br />
Os olhos de Rafael estavam vidrados na xícara, entre suas mãos:<br />
- Quer dizer que, se estamos atentos ao momento, todos os cappuccinos serão perfeitos?<br />
- Não. Quer dizer que, se não estivermos atentos ao momento, nenhum cappuccino, ou momento, jamais será.<br />
<br />
A distância entre os lábios de Rafael não era pouca, sobrancelhas arqueadas enrugando a testa e olhos fixos sobre seu expresso. Tocou a lateral da xícara com o indicador e o médio, verificou a temperatura, passou a xícara para o lado, olhou pela primeira vez a garçonete acima dos ombros e disse: <br />
- Outro expresso, por favor!<br />
<br />
<span style="color: blue;">Receita e conto: Renato Kress</span></div>
Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com18tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-19167252371319781902010-08-11T13:16:00.001-07:002010-08-11T14:40:25.498-07:00Descobertas<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghP-XSV_PDXOQAI5r15tRDj8jDRpBWRx1xewkn9ae3xvYEkcMyR_VJ7XfmK_6WyvXJp1jkB2RPA-enmM2opZQPZeT9tj5FOR8kCf0yAFlXv9EuRSV7cW3DmaeGavbyncxPPgtND3zHaKSr/s1600/lutoinfantil.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 300px; height: 200px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghP-XSV_PDXOQAI5r15tRDj8jDRpBWRx1xewkn9ae3xvYEkcMyR_VJ7XfmK_6WyvXJp1jkB2RPA-enmM2opZQPZeT9tj5FOR8kCf0yAFlXv9EuRSV7cW3DmaeGavbyncxPPgtND3zHaKSr/s320/lutoinfantil.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5504269541063554002" /></a>Pai, pai, entendi. Tava vendo TV e entendi porque a gente reza. É porque às vezes a vida da gente não se explica! Por isso! Fica entre a gente, pai, mas eu acho todo mundo reza pro mesmo Papai-do-Céu. Tava vendo na TV as pessoas rezando no mundo. Não sei se eles entendem, mas é o mesmo Papai-do-Céu. Claro que é! <div><br /></div><div>Senta aqui que eu vou te explicar, pai. Eu posso até rezar todo dia antes de dormir, como a mamãe manda, mas no fundo só vou rezar mesmo quando tiver perdido uma coisa muito muito especial. Ou quando eu achar que tiver. E quando essa coisa especial estiver perdida, aí sim eu vou rezar de verdade. E olha que legal, pai: quando eu rezar vou juntar as mãos. Aquele menino com a cabeça engraçada, o Murad, nosso vizinho, vai rezar se ajoelhando num tapete com o pai dele e um outro cara, lá do outro lado do mundo, vestido de toalha, vai rezar meio que sentado na posição do indiozinho. Na verdade nem importa muito pai, porque quando eu juntar as mãos meu corpo vai estar igualzinho pra lá e pra cá, quando o Murad se ajoelhar, o corpo dele vai estar igualzinho dos dois lados, e o outro cara, do outro lado do mundo, também! É que eu tava vendo só a metade da tela da TV, brincando com o espelho da mamãe e descobri! Olha que legal! Se você passar um espelho em pé pelo meio do corpo de qualquer um rezando, no mundo inteiro, vai encontrar dois lados iguais. O legal é que eu nem notava o espelho e quando ia pro lado, pra ver a tela inteira, dava no mesmo. Era como se não tivesse espelho ali!<br /><br />Aí eu pensei na coisa de nos livrar do mal que a mamãe ensinou a rezar. Nem acho que a gente queira se livrar do mal. Mamãe às vezes faz o mal pra mim e diz que é pro meu bem. Muito estranho isso porque ela diz que é pro meu bem e eu sei que dói e me faz mal. Daí fiquei pensando que as coisas tem seu bem e seu mal e às vezes a gente só vê um lado e se chateia por isso. Mas acho que não estamos rezando por medo do mal. Tem gente que quer o mal dos outros e reza. Já vi a tia na escola fazendo isso. Tem gente que reza pedindo o mal pra si mesmo, como quando a tia Nazinha pediu pra Deus pra ficar doente no seu lugar. Nem acho que rezamos para nos defender do mal. O mal acontece.<div><br /></div><div>Acho que a gente reza porque tem coisa que não tem jeito mesmo. Outro dia mamãe estava fazendo saladinha pra mim e eu perguntei porque Papai-do-Céu levou o senhor pra longe da gente. Mamãe sempre dizia que era porque ele estava com saudades e que vocês estavam conversando lá no céu e cuidando da gente, mas dessa vez ela chorou muito sabe? Achei que tinha se cortado com a faca e fui lá abraçar ela e ela me abraçou de volta e disse que não sabia, que não sabia porque o Papai-do-Céu tinha levado o senhor. Logo depois ela me colocou na cama e ficamos conversando com Papai-do-Céu e com o senhor, lembra? Então, foi daí que fiquei pensando, a gente reza porque tem coisa que não faz o menor sentido! Eu sei que ela não sabe porque o senhor foi embora e sei que ela fica muito triste quando pergunto, mas quando vejo já perguntei. Um dia vou falar pra mamãe que descobri porque a gente reza: é que a gente é que precisa ter força da gente mesmo pra dar um sentido pra essas coisas, né? Bem, eu acho que é.<br /><br />Pai, a mamãe está vindo aí pra irmos embora, semana que vem a gente conversa mais.<br /><br />Conto e Receita: Renato Kress</div></div>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-45047297467798584202010-07-28T22:35:00.000-07:002014-03-27T10:12:44.433-07:00Conversa onírica (microconto estilo twitter)<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div>
J: Ando me sentindo meio aprisionada, sabe?<br />
<div>
R: Disfarça, teu carcereiro é a tua cara...</div>
<div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhq9nlVl1LtK20MctwMknkdHx4f8ydbFKbsOc8iThlIz0aMHUquU_9pScO53irsmuPf0fUph2_5xa1bRartTzINePJSZHH_ypROjqFzA-bonvX_vQ7Tyt2FxA6R_GpZ5ZXijWwm8eoRPyFQ/s1600/cafecomconto+002.png" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhq9nlVl1LtK20MctwMknkdHx4f8ydbFKbsOc8iThlIz0aMHUquU_9pScO53irsmuPf0fUph2_5xa1bRartTzINePJSZHH_ypROjqFzA-bonvX_vQ7Tyt2FxA6R_GpZ5ZXijWwm8eoRPyFQ/s1600/cafecomconto+002.png" height="207" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Imagem por Francisco (Chico) Azevedo</td></tr>
</tbody></table>
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Conto e receita: Renato Kress</div>
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</div>
Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-62137380763695181572010-07-14T05:18:00.000-07:002013-09-18T19:03:41.927-07:00O bem mais valioso?<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7AVrgpjQ58N25T_7-NUxFt7HAVamJK-wWdz3am1vFDFzNq7obqUK-CZ_oufVey4fd-t3eRmVYYmRAcRi4SusxpIVaaZDirbBuMbAglH5BJZDG0jNcGgaJrN9f-MsqhPbbsfWW-Y194FiU/s1600/Ladr%C3%A3o-Classica-Escapada.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5493761857221770178" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7AVrgpjQ58N25T_7-NUxFt7HAVamJK-wWdz3am1vFDFzNq7obqUK-CZ_oufVey4fd-t3eRmVYYmRAcRi4SusxpIVaaZDirbBuMbAglH5BJZDG0jNcGgaJrN9f-MsqhPbbsfWW-Y194FiU/s320/Ladr%C3%A3o-Classica-Escapada.jpg" style="cursor: hand; cursor: pointer; float: left; height: 320px; margin: 0 10px 10px 0; width: 255px;" /></a><br />
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<span class="Apple-style-span" style="color: #660000;">"Tenho que controlar minha respiração. Não falta muito. Depois de atravessar os muros desse palacete pelas paredes laterais, próximas às montanhas irmãs e ao Floresta das Folhas de Ouro, falta cada vez menos...", era o que pensava Ieresmieth, o mais novo candidato à Guilda dos Ladrões de Angabar. </span><br />
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Seis horas atrás, numa clareira na Floresta das Folhas de Ouro, Ieresmieth se encontrava com seus superiores, a Guilda dos Ladrões de Angabar. De olhos vendados, sentado sobre a relva amarela daquela floresta outonal, ele teve de indicar, fincando um alfinete com uma fita laranja no chão, a chegada de doze outros ladrões. A direção do alfinete deveria ser uma linha reta entre ele e quem chegasse. O momento de fincar o alfinete? Quando tivesse certeza de que alguém se aproximava. A certeza de que nenhum dos outros estaria roubando? Ele só deixaria de passar nessa prova se alguém se aproximasse o suficiente para lhe tocar a cabeça. Ao abrir os olhos, depois de fincar o último alfinete na relva, viu Salthimankar, um dos mais talentosos da Guilda, suspenso de ponta-cabeça por uma corda atada a um galho de árvore, com os dedos esticados, a menos de cinco centímetros de sua testa.</div>
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Foram-lhe dadas instruções muito precisas sobre o que fazer, embora nenhuma sobre como fazer. Era necessário entrar no palacete cinza, próximo à saída para as Montanhas Irmãs, e voltar de lá com a posse do bem mais valioso.<br />
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Os muros do palacete, não especificamente altos, mostravam pouco mais de dois metros e eram<b> </b>encimados por grades simples, de cobre vagabundo. O silêncio, característico da falta de guardas, talvez indicasse algo a mais. Ele deveria até o nascer do sol cumprir a tarefa e, naquele momento, percebeu que teria de se apressar no futuro, porque agora era hora de se concentrar, esperar. Tirou de dentro de um dos vários bolsos de seu casaco uma serpente vermelha e a jogou ao chão, próximo à luz de uma tocha, a meio caminho entre o muro e o palacete. A luz da tocha era essencial, caso quisesse colocar a descoberto a armadilha daquele silêncio todo. </div>
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Não teve de esperar muito. Em menos de dez segundos, o chão ao redor da cobra foi revolvido, formando três pequenos montes dos quais vieram à luz três grandes karmlags, ou cães-toupeira, uma espécie de cães de guarda muito comuns... a mil milhas de distância a noroeste daquelas terras! "Hum, não é uma casa comum".</div>
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Contornando a casa por cima do muro, descobriu o melhor modo de entrar: a porta da frente. Na verdade, não exatamente a porta da frente, mas um pouco acima dela havia um gárgula de marfim que servia de base para uma varanda e, um pouco abaixo dela, três degraus de mármore distanciavam a casa daquele chão sensível a quaisquer formas de vibrações. À distância que se encontrava, seria impossível saltar diretamente para os degraus. Teria de pular ao menos uma vez sobre a terra para depois saltar de novo sobre a soleira da porta.<br />
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Tirou uma flecha da aljava, amarrou uma corda com um guizo sobre essa flecha e esperou, observando a copa das árvores mais próximas. Aguçou audição e olhar até identificar um morcego, e mirou um pouco atrás do que via. O zunido seco da flecha encontrou o peito de uma coruja, predador natural do morcego. Aquele tiro cego lhe rendeu um sorriso que disparou seus batimentos e mais uma vez se repreendeu por se obrigar a perder tempo, controlando a descida dos seus batimentos enquanto saltava sobre o chão de terra batida e puxava atrás de si a coruja com o guizo. Ao pisar sobre o mármore, depois do segundo salto, recolheu a corda atada à flecha, sem a presa. "Os malditos bichos são rápidos!".</div>
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Saltou, fincando as mãos na mandíbula do gárgula e, em poucos segundos, estava do lado de dentro do segundo andar do palacete. Ao dar seus primeiros passos se afastando da varanda e esperando a vista se acostumar à pouca luz que vinha de fora, simultaneamente sentiu um frio nas costas e ouviu passos muito leves e despreocupados. Passos de mulher. Como suspeitava, a tapeçaria que recobria as paredes <span style="font-family: Arial; font-size: 9pt;">–</span> sistema de aquecimento para aqueles dias frios e secos <span style="font-family: Arial; font-size: 9pt;">–</span>escondia um nicho, com uma estátua. Ieresmieth prendeu a respiração e dividiu o nicho com a estátua de olhar fixo. Poderia imaginar mil companhias piores para aquele momento. Ouviu os passos femininos se afastarem na mesma velocidade com que se aproximaram. Esperou ainda três minutos, depois de ter a certeza de que já estaria a salvo para sair e, agachado, meteu os olhos para fora do tecido. Nada além de um corredor sem aposentos. Percorreu o corredor a passos silentes e, com as mãos, sentia o vento que percorria, por trás das tapeçarias, os vários nichos. Até que não sentiu a brisa.</div>
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No vácuo entre os ventos, encontrou uma porta de ébano, rígida, com uma tranca simples. "Simples demais para quem tem karmlags no quintal!", observou, pela fresta da porta, num aposento, um pequeno altar em madrepérola e um anel de ouro branco com algumas gemas preciosas, sob a luz do luar. Olhou de novo a tranca. "Simples demais!". Olhou de novo o anel e a luz da lua. "Sagrada deusa, obrigado!", pensou. Pensou e saiu do corredor. Voltou à varanda percebendo que, embora não ouvisse mais os passos femininos, também não ouviu nenhuma porta se abrir ou fechar. Tentando desanuviar a mente, escalou o exterior do palacete até a claraboia, por onde o luar entrava para alumiar aquele anel. "Pequena demais!". Mas mesmo que fosse grande o suficiente, ele não colocaria seu corpo dentro daquele aposento. Desceu um pequeno gancho preso a um fio de seda, com o qual pescou o anel, sem problemas.</div>
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Voltando para a varanda, com um sorriso negligente, deixou-se cair agachado <span style="font-family: Arial; font-size: 9pt;">–</span> de forma a não fazer ruído com seu impacto <span style="font-family: Arial; font-size: 9pt;">– </span>já pensando em como faria para sair. Mas foi surpreendido por outro barulho: uma inspiração, profunda e rápida! Um susto! Virou-se o mais rápido que pôde, sendo pego de surpresa pela coisa mais bela que já havia visto: a dona dos passos femininos. A mão direita de Ieresmieth imediatamente cresceu sobre aquela boca delicada, enquanto a esquerda passava por sua cintura. Seus olhos negros se envolveram com os olhos verde-esmeralda daquela menina e ele percebeu, na respiração dela, que ela não iria gritar. A mão que desceu da boca e a boca que encontrou a boca foram inevitáveis. Antes que pudesse se perder, ele saltou para trás e, em menos de dez segundos, já atravessava os muros do palacete.</div>
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Correndo para a clareira na floresta, chegou junto com o nascer do sol apenas para ouvir, por trás de um árvore, a voz de Salthimankar, áspera: "Você falhou, Ieri". Ieresmieth imediatamente apalpou os bolsos, e não encontrava o anel. Baixou a cabeça, envergonhado.</div>
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"Ieri, é uma pena, criança, mas não podemos aceitá-lo como irmão e também não podemos confiar em você como um civil. Você sabe o que precisa ser feito. Adeus." Ele teria que deixar a cidade e não voltar nos próximos dez anos. Ficou impassível, esfregando com as pontas dos dedos o tecido do bolso onde deveria estar o anel. Chegou a virar de costas, talvez para não encarar Salthimankar, talvez para ir embora. Foi quando cortou o silêncio daquela manhã com uma gargalhada estridente. Ele não viu, mas os olhos de Salthimankar se arregalaram por trás de seu ombro.</div>
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"Eu passei no teste, irmão", disse Ieresmieth sem olhar para trás. </div>
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"Então, onde está o anel... 'irmão'?", o tom áspero de Salthimankar beirava o ódio. "Ieri" sabia que não poderia chamá-lo assim caso não passasse no teste. Por que assinava sua sentença de morte tão estupidamente? Teria enlouquecido?</div>
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<br />
"Anel? Foi exatamente um 'anel' que você me pediu?", disse Ieresmieth, voltando-se para encarar Salthimankar. Riu, de lado, um riso incontido e disse: "Desculpe-me, é claro que sim... um anel... uma aliança, certo? Uma aliança entre mim e os ladrões, irmão! Uma aliança que seria firmada sobre o roubo do que houvesse de mais valioso dentro do palacete. Foi o que me pediram. Bem, só há uma forma de o anel não estar comigo: alguém, com a mão mais leve que a minha, tirou de mim. Até aí, falhei. Você tem razão, irmão. Mas também só havia um motivo para que eu conseguisse atravessar os muros do palacete a salvo dos malditos karmlags. Eu venci, irmão. </div>
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Salthimankar já pulava sobre ele, em fúria, com facas nas duas mãos. Não aguentava mais ouvir aquele fedelho o chamando de 'irmão', sem nada nas mãos. Foi quando Ieresmieth se esquivou e disse: "A coisa mais valiosa, Salthi! Eu roubei o coração da princesa dos ladrões... irmão!"</div>
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Conto e receita: Renato Kress</div>
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Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-43019724892762117842010-06-29T12:35:00.000-07:002010-06-30T19:57:03.991-07:00Quedas são inevitáveis<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjL-8b0VROcEoDxc1q9Cjj81sLKO7msF7dV8juxcvGt_j6e0tiP1IRDNg0kb_F7Tds4L2Ia-3rOFuZbMm05e2FTprsEv9ZBYFszPO6eHPUkNQW0nUbz1fkx7VV8Kw56I-jOkkLvQVYagzCq/s1600/queda.jpg"><img style="float: right; margin: 0pt 0pt 10px 10px; cursor: pointer; width: 237px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjL-8b0VROcEoDxc1q9Cjj81sLKO7msF7dV8juxcvGt_j6e0tiP1IRDNg0kb_F7Tds4L2Ia-3rOFuZbMm05e2FTprsEv9ZBYFszPO6eHPUkNQW0nUbz1fkx7VV8Kw56I-jOkkLvQVYagzCq/s320/queda.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5488284186699388242" border="0" /></a><span style="color: rgb(102, 51, 102);" lang="PT-BR">Minha pequena Vitória,<br /></span><p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR"><span style="color: rgb(102, 51, 102);">hoje você está num colo quente e macio e se alimenta e se afaga e gosta de estar apertadinha e se sentir limpinha. Amanhã você estará engatinhando, conhecendo texturas, o frio e o quente, o áspero, o rugoso e o macio, vai perceber que não é o mundo que se move ao seu redor, mas que você pode mover o mundo também, e ir sozinha. Depois você firmará seus pezinhos no chão e entre sorrisos e chamados, talvez segurando um dedo do papai ou da mamãe, você vai enfim andar. Então terá seus braços livres para poder pegar, tocar tudo ao seu redor, vai mexer em muita coisa que não deveria, vai conhecer outra dimensão, a altura.</span> Um dia você verá que o andar talvez já não seja adequado à velocidade dos teus desejos, à ferocidade com que teu coração ou estômago desejem o carinho dos seus pais ou uma barrinha de chocolate, nesse dia você vai correr. Correr vai fazer seu coração disparar, sua boca secar, seu rosto sentir melhor o vento... e talvez você caia. Provavelmente de quatro. Não se preocupe, quedas são inevitáveis.Acredite, você vai levantar, e ter o carinho ou o chocolate. Um dia, brincando com seus amiguinhos - e você vai ter vários amiguinhos - você vai jogar bola, queimado, ou vai querer alcançar algo bem alto e você vai pular. Seu primeiro pulo provavelmente vai ser desengonçado e é bem provável que você novamente caia. Não se preocupe, quedas são inevitáveis.<br /><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Um dia você estará andando, correndo e pulando muito bem e, nesse dia, você vai conhecer vários amiguinhos num local novo, longe do papai e da mamãe. Nesse dia você vai estranhar, vai se sentir acuada, é bem provável que você chore e sinta que está engatinhando, de novo. Mas esse dia vai vir acompanhado de outros dias e as vozes estranhas e os cheiros novos se tornarão familiares e cotidianos e você, aos poucos, vai se sentir andando de novo. Quando menos suspeitar vai perceber pela segunda vez a sensação de que o mundo não gira sozinho ao seu redor, mas que você pode controlar a passagem dele, e aí é que você vai poder correr e brincar e se sentir parte daquele novo e gigantesco universo. Um dia, algum tempo depois disso – que para você será uma maravilhosa aventura que nunca mais esquecerá enquanto viver – você vai sair daquele universo e pular no colo do seu pai. Sem suspeitar que aquele pulo era um salto quântico...<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Eis novamente a Vitória num novo universo, cercada por outras pessoas e outras vozes e essas pessoas são novas e as vozes diferentes e é bem provável que ela se sinta insegura, como se voltasse a engatinhar, mas os dias trarão palavras, alguém vai ser eleita “a melhor amiga”, porque foi a primeira que se interessou por conhecer a Vitória e deu a já conhecida mão, para que a Vitória andasse. E andando ela correu e correndo, ela pulou...<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Um dia a Vitória vai se apaixonar. Vai se sentir desorientada, perdida, como se voltasse a engatinhar. Mas a sensação, a sensação já vai ser conhecida e ela, esperta que é, vai saber o que fazer para andar, correr e, no momento certo, pular. Ela vai sofrer, achar que o mundo inteiro está se esmagando contra o peito dela, vai mergulhar no travesseiro ou no ombro de uma irmã, mas não importa o quanto esse tempo dure, ele vai passar. Afinal, até esse ponto, ela já vai lembrar: que quedas são inevitáveis. E isso vai se repetir no primeiro namorinho dela, primeiro emprego, primeiro amor, primeiro grupo de amigos, primeiro projeto pessoal...<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Um dia a vitória vai perceber que essas quedas e saltos são mais sobre aprender e menos sobre deixar de errar, que o macete pra não se irritar com pessoas irritantes é imaginar que elas já foram crianças – e muitas não deixaram de ser birrentas e mimadas -, que o mundo vai tentar convencer ela de que necessita de milhões de bugigangas para ser amada ou respeitada, para “fazer parte” ou “estar integrada”, mas que muito antes de qualquer parafernalha ela já sabia, sempre soube, que já é. Pelo menos pelas pessoas que importam. Ela vai entender que essas pessoas que importam não precisam ser muitas, mas que elas precisam ser verdadeiras e que a Vitória precisa ser verdadeira com elas também. Vai entender o quão importante e gostosa é a idéia de cultivar. Cultivar seu tempo, seus pensamentos, seus sentimentos, seus pequenos prazeres e seus profundos e importantes valores. Vai aprender que a vida se dá por uma série de pequenas trocas, de olhares, de carícias, objetos, sentimentos, pensamentos. Que mesmo que tentem – e vão tentar – vender a ela a idéia de que a relação entre o corpo e a mente dela é uma dicotomia, que um só pode funcionar se estiver reinando soberano sobre o outro, nunca vão conseguir apagar o sentimento, aquela certeza profunda que ela tinha desde que engatinhou pela primeira vez, de que só uma harmonia entre eles pode reinar soberana, já que seus sentimentos vão influenciar seus pensamentos, o funcionamento do seu corpo e mesmo sua relação com a divindade e que nenhuma dessas esferas existe em separado e nenhuma delas é saudável em separado. Vão tentar convencer a ela de muitas coisas, certas e erradas, muitas ela terá de vivenciar para aprender, outras não. Mas o mais importante é que ela consiga distinguir as miríades de idéias, grupos, partidos e modismos que servem para separar a humanidade, das poucas e belas coisas que nos fazem solidários. E que ela saiba que a escolha, entre uma e outra, será sempre dela, assim como o mérito e a responsabilidade pela escolha.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Assim, um dia, quando ela já estiver bem vovozinha, com filhos que trarão netos e talvez bisnetos, ela possa ter vivido seus engatinhares, andares, correres e saltares, seus amores, seus estudos, profissões e toda uma corrente gigantesca de méritos maravilhosos. Nessa época, um dia, ela vai fechar os olhos e sentir que está caindo para trás... mas tudo bem, quedas são inevitáveis.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Receita e Conto:<span style=""> </span>Renato Kress<o:p></o:p></span></p>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-25836463443154108992010-06-02T10:26:00.001-07:002010-06-02T19:10:37.956-07:00Catálogo das profissões afetivas do homem<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEUEDi4ERl_F6qVh-sN2T_1-oan9wSt8oganszjZioQ6XKlmwTYPYG0G4Q9elzTthlsydTP44xV_S_LvUUqakXYmph30p81LxjItJdNVZPzv0_6_aOjL7IlsCuimBp8ZqpNoZOhSP8lokH/s1600/catalogo+de+homens.jpg"><img style="float: right; margin: 0pt 0pt 10px 10px; cursor: pointer; width: 266px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEUEDi4ERl_F6qVh-sN2T_1-oan9wSt8oganszjZioQ6XKlmwTYPYG0G4Q9elzTthlsydTP44xV_S_LvUUqakXYmph30p81LxjItJdNVZPzv0_6_aOjL7IlsCuimBp8ZqpNoZOhSP8lokH/s320/catalogo+de+homens.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5478363897874352002" border="0" /></a><span style="color: rgb(102, 102, 0);">Homem engenharia genética:</span><br /><span style="color: rgb(102, 102, 0);">Também conhecido como maníaco por procriação. Só quer namorar pensando nos filhos. Existem vários tipos desse: O engenheiro fenotípico, que só se preocupa se a mulher tem olhos claros ou coxa grossa, se ela é alta ou se tem perfil de atleta; (O alquimista, que só se preocupa em alcançar o "equilíbrio químico" perfeito: procura na mulher o que acha que falta nele, na esperança de ter uma criança-construto; A evolução (estilo pokemon) do homem engenharia genética é o alpinista genético, que cria uma meta na cabeça"minha filha vai ser a Liv tyler com as coxas da Sheila Carvalho", por exemplo) e vai escalando eternamente. Esta profissão afetiva em geral conta com indivíduos que trocam de parceira constantemente.</span><br />Vantagem: Se você cumpre o checklist dele, quaisquer outros problemas que apresentar (desde ronco, amantes até convulsões na cama) serão considerados como "probleminhas".<br />Desvantagem: É bom estar em dia ou ele vai te largar pela primeira pessoa parecida contigo que tenha as mãos menores ou que tenha uma voz mais bonitinha.<br /><br />Homem futebol:<br />É um dos mais comuns. Também conhecido como hommo mediocris brasiliensis. O homem futebol geralmente é amigo do homem dono de bar, embora os homens donos de bar em geral não se dêem entre si, os homens futebol têm a tendência a se agrupar. Mulheres que gostem de liberdade, direitos feministas e femininos em geral adoram o homem futebol, afinal, têm suas quartas, sábados e domingo liberados para fazerem o que quiserem, sozinhas. O homem futebol costuma ter predileções patológicas por determinados esquemas de cores, chegando mesmo a discutir com a parceira caso ela esteja com uma combinação de tons que não o agrade. Essa questão costuma piorar nas quartas, sábados e domingos. Você não precisa ser muito corpulenta, mas atente para o fato de que o homem futebol gosta de formas... arredondadas. O homem futebol sempre está atento aos inícios e términos dos ciclos que - segundo ele - compoem o cerne de toda vida humana na terra: Campeonato estadual, municipal, juniores, seniores, copa do mundo e, se for adepto de alguma religião que creia em vida pós-morte é bem provável que torça para algum time na copa do extra-mundo também.<br />Vantagem: Se o time dele for campeão, prepare-se! Sua noite será inesquecível. Outra: quando você estiver cansada dele, dê uma bolinha para ele brincar.<br />Desvantagem: Em geral a virilidade do homem futebol está ligada ao resultado do placar, então quando o time dele perder provavelmente o seu também perderá.<br /><br />Homem cultura:<br />O homem cultura é um cara sedutor. Ele chega de mansinho, contando sobre povos ianomami, mitologia grega, psicologia e quando você vê está ligando à meia noite para o sujeito para dizer que teve uma discussão com o namorado. Depois de uma hora ouvindo sobre o mito de Eros e Psiquê é que começa a se dar conta de que a tal discussão nem era grave, mas aí você já esta acostumada à voz dele e... bem, ele é homem, certo? Então. O homem cultura poderia ser o homem perfeito se não fosse a intolerância natural da espécie para com outros homens cultura em especial e para com toda a humanidade de brinde. É que o homem cultura se acha o ó do borogodó intelectual e, obviamente, ninguém está apto a compreender as agruras do mundo a não ser ele. E mais ninguém! Mesmo que alguém concorde com o homem cultura, ele, irritadamente, vai desenvolver algum ponto específico em que discorde de quem venha a concordar com ele. Mesmo que tenha de desdizer o que disse antes! (O que é bem comum, nesse tipo de homem) O homem cultura no fundo cultiva mesmo o ego e com o ego é único e indissolúvel, ele precisa ser um eterno incompreendido/iluminado a espera dos seus biógrafos e de alguma carta de sociedade secreta, a qual ele não aceitará, mas guardará com todo carinho do mundo.<br />Vantagem: Se você gosta de citações e historinhas, esse é o cara! Aliás, se gosta de servir também; eles tendem a ter escravas no lugar de esposas. Você pode ter um caso com ele e aprender muitas coisas por muito tempo, mas quando for pensar por si mesma lembre-se de que irá perdê-lo.<br />Desvantagem: Se você pensa, tenha um caso tórrido com ele, mas nunca se filie. O partido dele não aceita. Não duvide de que qualquer disputa acadêmica de egos vai excitar ele mais do que a sua lingerie mais ousada.<br /><br />Homem dono de bar:<br />É menos comum do que o homem futebol, mas segue quase as mesmas características. O homem dono de bar em geral é baixinho e gorducho. Embora tenhamos algumas variações, o mais característico é a presença de uma vassoura labial. Em geral o homem dono de bar é amigável e sociável e tem picos de serotonina nas quartas, sábados e domingos. Atualmente os homens donos de bares têm sido criticado pelos homens físico por transformarem muitas mulheres em "desgraças" e "bebassas", enquanto prometem aos outros homens em geral mocinhas devassas.<br />Vantagem: Se você é pinguça, divirta-se! Seu filho provavelmente será o queridinho dos amigos e das amigas.<br />Desvantagem: Bem provável que ele coloque você pra trabalhar atrás do balcão. E o pior! Sua filha de garçonete.<br /><br /><br />Homem trabalho:<br />O homem trabalho se considera um motor. Acredita que seja o responsável pelo desenvolvimento da sua atividade produtiva, da sua relação afetiva, do país e até do mundo. Geralmente preocupado, atarefado e cobrado não gosta muito de ver seus amigos, filhos (quando tem tempo de os ter) ou conhecidos parados ou descansando. Acreditando de descanso é igual a culpa acha que se você não está na zona de ação, está na linha de corte. Geralmente tem seu primeiro ataque cardíaco aos 28 anos. O homem trabalho tem o vício de ser produtivo e tende a estar mais presente (e familiarizado) no ambiente de trabalho que em casa, por isso é bem comum que, na interação com as pessoas mais próximas (por exemplo secretárias) acabe "produzindo" com elas. Finais de semana deixam o homem trabalho tenso, inseguro e irritadiço, mas isso costuma passar enquanto ele faz a agenda da sua semana seguinte no seu blackberry de 300 teclas. O maior desgosto de um homem trabalho é ter um filho homem praia.<br />Vantagem: Você é Carry Bradshaw? Esse é "o" cara! Compras eternas!<br />Desvantagem: Se você não é a secretária dele, instale câmeras no escritório ou um gps subcutâneo. Alto índice de produtividade em horas-extras.<br /><br />Homem praia<br />O homem praia acorda cedo! É praticamente um habitante do deserto. Seu pé está mais acostumado à areia que ao chão firme, o que faz do seu senso de equilíbrio um dos melhores. Geralmente nunca fazem clareamento dental, o contraste entre sua pele e seus dentes faz com que isso pareça ridículo, mesmo que ele possa ser viciado em mate, que amarela tudo. O homem praia tem toda uma variedade de posições para brincar de estátua: mão na cintura, braços cruzados, mãos nas coxas... Adepto da vida saudável, em geral o homem praia curte nadar, surfar, futevôlei e vôlei. A idade costuma vir com duas raquetes e uma bolinha nas costas. Pode nem morar perto de nenhuma praia, mas acorda às seis da manhã para estar com o sol de sete às sete no verão. Ele é basicamente movido a bateria solar! A falta de bateria não causa cansaço ou moleza, mas irritabilidade. O homem praia gosta de olhar, gosta demais de olhar e ser olhado. Então se você está interessada em um exemplar do gênero, é bom estar em dia com a academia e a marquinha do biquini, caso contrário ele olhará para você com o mais completo olhar de paisagem.<br />Vantagem: Você pode saber o humor do homem praia olhando para o céu pela manhã. Simples, rápido e infalível.<br />Desvantagem: Se você gosta de frio ou não é adepta de academia, esqueça! É bom gostar de protetor solar, porque você vai beijar um e cheirar a um depois de um tempo de convivência.<br /><br />Homem night<br />O homem night é divertido. Em geral está tentando te embebedar ou te convencer de que o amigo bonitão dele é gente boa, mas muito galinha, enquanto a mão dele desce pelas suas costas. O homem night é muito estudado! Em geral faz alguma faculdade, por oito a dez anos! Isso quando não troca de curso três vezes no caminho e acaba fazendo direito ou administração. Costuma ser bem humorado e projetar sua virilidade no teor etílico que estiver circulando por seu organismo. Sempre cercado de amigos, o homem night parece ainda viver resquícios da adolescência, onde só conseguia andar em bandos. Adepto da moda, é capaz de virar a noite num bate-estaca, faturar alguma menininha no processo, fingir que vai trabalhar só para expulsar a menina do apartamento do pai e ir tomar o café da manhã num shopping, esperando pra comprar a camisa da osklen que o fulano estava usando na noite anterior! O homem night tem a tendência de "chegar chegando", e muitas pessoas duvidam que eles possuam apenas um par de mãos, já que ele consegue chegar abraçando duas meninas pela cintura, bebendo vodka, redbull e segurando um celular ao mesmo tempo.<br />Vantagem: Não dá pra confiar direito, mas ele costuma ter amiguinhos bonitinhos, pelo menos. Ah, e você vai dançar até quebrar os joelhos!<br />Desvantagem: Acham que a vida vai acabar amanhã, então a não ser que você queira levá-lo a uma rave em Amsterdã, não faça planos!<br /><br />Homem nerd<br />O homem nerd não é como o homem cultura. Para começar, ao contrário do homem cultura, o homem nerd consegue suportar a opinião alheia, pelo menos a ponto de criar grupos para jogar RPG (não, não estamos falando de reeducação postural global nem de redução percentual de gorduras, estamos falando de role playing game, um joguinho de representação que é como teatro para os desprovidos de talento interpretativo com imaginação hiper-hiperativa) nos domingos de manhã. O homem nerd em geral possui um emprego público, que lhe dá tempo e estabilidade para criar cidades imaginárias e lendas lendárias onde toda a sua criatividade e cultura inútil será despejada como estouros de represas ou como discussões em blogs de super-heróis, aliás criados e frequentados somente por esse tipo de homem. O homem nerd, quando consegue tomar banho e se barbear, pode ser considerado um "fofo" com as mulheres, porque tem a tendência de ser meticuloso e cuidadoso com tudo o que não conhece bem. Ele vai lembrar das suas frases, palavra por palavra, mesmo que às vezes insista que você estava vestida de fada ou com uma capa de vampiro. Em qualquer conversa evite frases como "aqui e agora", provavelmente ele vai achar que nem é com ele, já que vive em outra dimensão e tempo. Se você lia Marvel ou DC quando era criança, vai ser amor às primeiras sílabas. Se você consegue entender do que se trata siglas como DEVIR, AD&D, D&D, GURPS e cia, esse é o seu cara!<br />Vantagem: Se você conseguir convencer o sujeito de que é uma princesa, será tratada como uma!<br />Desvantagem: Não conte com ele para pagar contas em dia, fazer esportes ou comer bem. Aliás acostume-se com a idéia de que o computador é a esposa e você, na melhor das hipóteses a mãe incestuosa.<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-34499409349316198382010-05-17T07:20:00.000-07:002010-05-18T14:33:40.079-07:00Solo<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJbKpzLHZC2aJ63Rayt39gDuYB3WkTMgAmcFoCrA-LUuJvCgT20CwoFTt1ObQhG_QdiIB72ViWYN26aP2_Lamd6SDvlbtjJbEYN2p36d_6i114OFYnxfAr0iwonlktQTG6-FV-zzISwN_S/s1600/passos.jpg"><img style="float: right; margin: 0pt 0pt 10px 10px; cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJbKpzLHZC2aJ63Rayt39gDuYB3WkTMgAmcFoCrA-LUuJvCgT20CwoFTt1ObQhG_QdiIB72ViWYN26aP2_Lamd6SDvlbtjJbEYN2p36d_6i114OFYnxfAr0iwonlktQTG6-FV-zzISwN_S/s320/passos.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5472257780844246498" border="0" /></a><span style="color: rgb(204, 153, 51);">"Parece que, para compreender bem o silêncio, nossa alma precisa ver alguma coisa que se cale; para estar segura do repouso, ela precisa sentir perto de si um grande ser natural a dormir" - Gaston Bachelard</span><br /><br /><span style="color: rgb(0, 0, 0);">Ele era torpe. Não moralmente torpe, mas suas atitudes se orientavam no tempo como se visse o mundo por um vidro embaçado, entorpecido. Era uma situação fantasmagórica de uma palpitação interna arredia que desaparecia quando ouvia passos no corredor do prédio, ou o telefone tocando.</span><br /><br /><br />Ele tentava pensar em outras coisas, se ocupar, ler um livro, ir ao cinema, mas fosse o que fosse, o silêncio sempre ameaçava engolir seu peito como uma onda de nulidade que ameaçava mergulhar ele e seus pensamentos numa massa informe na multidão. O silêncio não era total nem auditivo. Talvez eu ou você ali ouvíssemos muitos sons. O silêncio era pessoal, era com ele, era nele.<br /><br />Quando tentava trabalhar alguma espécie de bafo sobre seu ombro lhe gargalhava na cara a inutilidade, a frustração cotidiana da sua falta de tato para com as próprias idéias e aspirações. Era risível, cedo ou tarde ele teria de parar, cansado, e o trabalho teria avançado e retrocedido a ponto de estar sempre no mesmo ponto, mesmo que muito ou pouco fosse feito.<br /><br />No cinema, após uma hora de filme, já se sentia esmagado na cadeira pela vergonha de levantar, sozinho, entre aquela pequena sociedade de casais e grupos de amigos, famílias. A dor não negligenciava sua memória por mais de uma hora, fosse como fosse. A rua para ele era como uma sucessão de fios multicoloridos que traçavam retas, estabeleciam laços e cruzavam nós, entre as pessoas que se conheciam, se sorriam, cumprimentavam. Sentia, da mesma maneira, que sobre seu corpo estava enrolado também o seu laço, que, por desuso, acinzentava, mas não perdia a força contritora, esmagando seus braços, limitando seus movimentos, amordaçando seus sorrisos.<br /><br />Um dia, sentado no sofá, desligou a televisão. Quase nunca desligava a televisão. Sabia que atrás dela estava agachado o fantasma-tigre que daria o bote final sobre ele, naquele momento. Abriu bem os olhos, como se esperasse o ataque. Então fechou os olhos e simplesmente não resistiu, aceitou, respirou fundo e esperou.<br /><br />Para seu espanto a solidão não o invadiu, pareceu até diminuir. Passou a imaginar situações do passado em que esteve profundamente só – viagens, momentos no seu quarto na infância, recreios no colégio, términos de relacionamentos, lutos – aquelas lembranças sempre foram a chave para seu quartinho asfixiante de pânico e tensão. Estranhamente a solidão tinha perdido seu poder. Não conseguia mais sentir o pânico, mesmo que tentasse. Quando mais convidava o sentimento a aparecer, mais impossível parecia, a si mesmo, sequer imaginar que havia sentido um dia aquela dor insuportável.<br /><br />Ele havia descoberto, ou estava ensinando a si mesmo, que sentia a solidão aguda apenas quando fugia. Quando voltou para encará-lo de frente, o demônio fugiu.<br /><br />Conto e receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-16402115806936272992010-05-13T21:13:00.000-07:002011-03-22T13:33:53.847-07:00Mãe<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYCJfbdsOZ7wrNztLIvUhE0Ube-A1XtaLHiLpTp55vgJ9X2pdCJl9ANlYLKUMhdjHoR4RcL_0mao-qycPHF8PJogJPDWbyW3Yr6WU65tAidZDZWhcCIRaRV2VYlK-OThXN63ATenATwIth/s1600/gaia01.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYCJfbdsOZ7wrNztLIvUhE0Ube-A1XtaLHiLpTp55vgJ9X2pdCJl9ANlYLKUMhdjHoR4RcL_0mao-qycPHF8PJogJPDWbyW3Yr6WU65tAidZDZWhcCIRaRV2VYlK-OThXN63ATenATwIth/s400/gaia01.jpg" width="316" /></a></div><br />
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<div class="MsoNormal"><span lang="PT-BR"> <br />
<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span lang="PT-BR"><span style="color: #009900;">O leite do meu seio é magma, o leito, do meu sono, é água. Participo de um equilíbrio delicado, tenho nomes e meus nomes tem camadas, como a forma pela qual me entendem meus filhos. Se me arrebatam a roupa de cama, remexo, sinto frio, suo, tremo. Se me perfuram a carne em demasia escorre do meu ventre o que escorre dos seus, minha seiva, meu sangue, minha vida.</span><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span lang="PT-BR"><o:p> </o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Gaia, mesmo nos códigos que vocês inventam, esquecem depois seus significados. Vivem rodeados dela. Seja onde pisam, onde moram, o que respiram, comem, digerem, desejam, onde morrem e o que se tornam sempre: matéria. Lembro de quando descobriram a palavra matéria, vinha de Mater, Matris, “Mãe”. Porque certas palavras não se criam, certas palavras se sentem.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Erda, sou a anciã que sustenta teus saltos mais mirabolantes, tuas acrobacias e invencionices. Sou a senhora complacente e submissa, que recebe os castigos malcriados dos filhos imaturos. Sou a firmeza calma e duradoura. Além de ser suas bases, sei de algo que não sabem aceitar: eu fico, vocês passam. Antes de vocês houve outros e depois os haverá, tão cedo que nunca se lembrarão, tão tarde que nunca conhecerão. Ainda assim, os amo e nutro, como únicos. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Geb, sou universal, primordial, essencial. Sou fecundada pela água que sai de mim mesma. Minha língua é um sistema que se equilibra sozinho e eu tenho algumas eternidades para me equilibrar. Mesmo que eu tivesse pressa, vocês nunca notariam. Suas idéias, pensamentos, seus mais puros ou devassos sonhos são piscares dos olhos de seus próprios deuses, cada um dos quais precisou de um solo para erguer suas sinagogas e catedrais... e eu os doei com tanta alegria! <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Porque tenho um carinho especial pelas formas como resvalam em mim sem me perceber. Ninguém pode vir ao mundo sem passar por mim, ninguém pode ver a luz se não por mim. E vocês me procuram em tantos lugares incríveis, e vocês me projetam a alturas indizíveis. De alguma forma não cabe a vocês – ainda – perceber que eu possa estar abaixo da planta de seus pés e ainda assim palpitar dentro do seu peito saída diretamente de uma alga. Porque eu sou mais singela do que vocês imaginam e vos acaricio por inteiro, não importa o que vocês façam, não importa onde vocês vão, eu estarei lá, eu serei lá.</span></div><div class="MsoNormal"><link href="file:///C:%5CUsers%5CRENATO%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_filelist.xml" rel="File-List"></link><link href="file:///C:%5CUsers%5CRENATO%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_themedata.thmx" rel="themeData"></link><link href="file:///C:%5CUsers%5CRENATO%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_colorschememapping.xml" rel="colorSchemeMapping"></link><style>
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</style> </div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal;"><span lang="PT-BR">Procuram meu centro em tantos espaços, terras santas, bem aventuradas, centros do mundo. No meu centro mesmo não podem viver, e já bem o conhecem, mas podem fazer de qualquer espaço meu um centro. Não sou mais eu aqui do que lá, mas sinceramente? Gostaria que fizessem de si mesmos centros sagrados. Porque eu vou ficar aqui, mas me dói ver vocês partindo tão cedo.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal;"><span lang="PT-BR">Conto e Receita: Renato Kress</span><o:p></o:p></div>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-81466238024601986092010-04-28T12:59:00.000-07:002010-04-29T14:53:07.522-07:00Cacos<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQJpguz61_E9xx434yt2PXHrYgiTMxGFu3fUbjWUOf091BdqED88wZ1nECCYAWvUrU0yH5ombuXtpxzRGJP5CjSCMTHNsdXfcHcfxqGHVt-8s4QVxEYMGh6XvKbHAv3A-TQaeGtSkuIcI3/s1600/louco.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 283px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQJpguz61_E9xx434yt2PXHrYgiTMxGFu3fUbjWUOf091BdqED88wZ1nECCYAWvUrU0yH5ombuXtpxzRGJP5CjSCMTHNsdXfcHcfxqGHVt-8s4QVxEYMGh6XvKbHAv3A-TQaeGtSkuIcI3/s320/louco.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5465306300988540338" /></a><span class="Apple-style-span" style="color:#6600CC;">Não, ele estava ali, sabe? Na beira do precipício. Espera, deixa eu contar do início. Era um escritório assim como o seu, mas havia um armário diferente na parede, um armário que eu nunca havia notado.</span> Simplesmente ele estava lá, na verdade tenho a impressão meio nítida de que era só uma maçaneta suspensa no ar, como se desenhada na parede, aí eu simplesmente coloquei a mão nela. Alguma coisa me puxou, minha mão, sabe? Então, a maçaneta estava fria, como se ninguém tocasse nela há muito tempo e começou a esquentar muito rápido quando eu toquei nela. Como eu te disse, estava num escritório - engraçado como ele parecia com o seu - e sabia que ele era meu. Não sei ao certo porque, mas sentia que aquele espaço pertencia a mim, como se fosse uma extensão de mim mesmo por aquelas paredes azuis. Quando coloquei a mão na maçaneta ela esquentou, lembra? É. Eu tirei a mão. Mas percebi que enquanto ela esquentava formava uma espécie de contorno, uma silhueta de porta na parede. Aquilo tudo era muito perceptivo, bem claro, óbvio, embora eu soubesse que não estava vendo todo o contorno simultaneamente, porque estava perto demais da porta pra ver, mas sabia que ele se formava inteiro, assim que eu colocava a mão na maçaneta. Testei ela de novo e estava fria, esquentava de novo. Abri de uma só vez e entrei num cômodo amadeirado enorme, recheado de livros e gavetas e armários. Como se houvesse uma outra biblioteca dentro daquele escritório, e haviam alguns andares para cima e uma escadinha, à esquerda, que dava pra baixo. Era enorme! Posso relembrar minha alegria quando percebi que havia ali mais livros do que eu jamais havia sonhado em ler e aquilo tudo atiçava minha curiosidade, mas algo me dizia que eu voltaria ali e não era necessário começar a olhar tudo - todo aquele inacreditável presente - de uma hora para outra, porque eu tinha pego a chave da porta, assim que a fechei atrás de mim. Me aproximei de uma mesa, uma grande mesa de centro, e era engraçado porque ela exalava o perfume que sinto quando escrevo, sabe? Talvez o perfume da minha mente, criatividade. Procurei não pensar naquilo enquanto via uma carta endereçada a mim sobre os papéis avulsos ali. Estava endereçada a mim, mas não tinha remetente identificado, só um símbolo de um sol eclipsado por uma lua na parte da frente, mas o tal eclipse só era visto contra a luz, num determinado ângulo que não percebi de primeira. Enfim, abri. Senti-me ridículo por abrir a carta e ver apenas uma indicação vaga da planta daquele cômodo, com uma indicação forte, por entre as linhas negras de nanquim, apontando uma varanda em tinta <span class="Apple-style-span" style="color:#FF0000;">vermelha</span>. olhei para trás para perceber que a tal varanda ficava ali atrás de mim, de onde eu estava sentado, logo acima do lance de escadas que me levava para cima, no segundo andar da casa, o andar recheado de livros, tanto que não se via a cor da parede. Subi as escadas e estava chegando à varanda quando uma luz qualquer me irritou os olhos. Era o sol e na verdade, o fim da varanda não era bem uma varanda, mas uma entrada ao nível do solo, e eu percebi que o tal cômodo estava enterrado dentro da terra, foi quando vi que a planície à minha frente se elevava até formar uma colina, onde uma figura muito bizarra praticava alguma dança sinistra. É claro que aquilo tudo me deixava cada vez mais curioso e desnorteado, então fui andando em direção à tal figura, cuja silhueta percebia muito vagamente, porque exatamente atrás dela ficava o sol, imponente e acho que estranhamente vivo. Não sei explicar a idéia de um sol vivo, mas ele reagia, respondia ao longo dos meus passos e depois a coisa foi ficando mais intensa. fui percebendo que, à medida que me aproximava da tal figura dançante o sol ficava mais forte, quente, agressivo. Quando comecei a suar demais, sentei. Coisa entre cinco e dez metros da tal figura. Ele parecia não notar minha aproximação. Foi quando percebi que, à frente dele, exatamente na linha onde ele dançava e fazia malabarismos e saltos, estava um abismo. Quem me mostrou o abismo foi o vento, o vento que subia e trazia, às vezes tão forte que, sentado no chão, tinha que agarrar a grama pra não me sentir jogado pra trás. A figura fazia malabarismos sobre um abismo e eu, sem ter o que fazer ali, comecei a falar com ela. - Oi? Porque você está fazendo malabarismos no abismo? Ele deu uma gargalhada baixinha, e percebi que tinha uma barba longa nessa hora, foi quando me respondeu: - E não estamos todos? Fiquei perplexo porque sua voz era uma mistura estranha da minha, da minha mãe, meu pai, uma professora do primário, um professor da faculdade, um senhor com quem conversava na adolescência, uma mulher que me ensinou religião e mais um monte de outros que não distingüia. De qualquer forma segui ali admirando seu equilíbrio, sobre o vento do abismo. Estranho que quando ele parecia se desequilibrar o vento aumentava e jogava ele para cima de volta. De alguma forma ele se movia livre porque sentia que não iria cair. Tentei de novo me aproximar, dessa vez mais rápido e o sol arrebentou em luzes multicolores que me queimaram a pele e me cegaram. Confuso, sentei de novo. Voltei a onde estava antes e até acertei a mão sobre onde ela estava, marcada na grama. Esperei minha visão voltar ao normal e perguntei: - Quem é você? À medida que as palavras iam saindo de minha boca ele plantou bananeira com uma mão só bem na beira do abismo, de costas para mim, já não tinha a tal barba longa. Nessa posição parou, imóvel, e disse: - Sou o nunca-você! Aquela voz dessa vez havia saído como o bater de asas de mil pássaros e aquilo me atordoou demais. Foi quando ele disse: - Não gostou da minha primeira voz, troquei. E não, eu não consigo falar baixo, não a essa distância. Não prefere conversar da varanda? Aquela última frase havia saído num tom de desafio, de cinismo, meio como uma brincadeira. Foi quando alguma coisa entrou no meu dedo, cortando. Olhei para baixo e vi um caco, um caco qualquer que entrou na dobra do meu dedo indicador. Tirei. O sangue passou quente para a grama, que se pintou de um <span class="Apple-style-span" style="color:#990000;">vinho</span> brilhoso. Fui olhar o caco, era um pedaço de uma gola de camisa que usei no dia que levei a Talita no colégio pela primeira vez. Do lado dele tinham outros cacos e outros, por toda a grama vinho um monte de cacos enormes, pequenos, minúsculos, como grãos de areia ou lajes e telhas. Foi quando me irritaram todos aqueles pedaços amontoados. Alguns tinham pedaços, imagens de mim, um pedaço do meu calcanhar quando caí de bicicleta, meu polegar e indicador assinando um documento qualquer, meu umbigo num jogo de futebol, nunca me via inteiro, muitos cacos não tinham sequer um pedaço de mim, mas de alguma forma não eram estranhos de todo. Não sei explicar. Tinha gente que nunca vi em alguns pedaços, um sorriso de um velho oriental, um olhar de uma criança negra, cabelos de índios. Foi quando olhei para a frente, a planície que virava abismo estava recoberta desses cacos, milhões desses cacos a ponto de me enlouquecer ali, e eram todos cortantes. Foi quando pensei no malabarista, na sombra, olhei diretamente para ele - o mais que dava, claro - e vi seu corpo todo ensanguentado, enquanto ele fazia malabarismos sobre os cacos no abismo. Ele não parecia se importar com nada daquilo e, a cada segundo dava saltos mais altos, saltos mortais, carpados, saltos impossíveis à beira do abismo. Perguntei: - Você está sangrando, pára! Levantei as mãos recheadas de cacos, sangue, disse: - O que é isso? A figura parou, cravando os pés violentamente no chão, de frente para o abismo, costas para mim. Tomou distância do abismo, andando de costas na minha direção. Respirei aliviado, tentava ver seu rosto, quando sua sombra cobriu todo o meu corpo sentado no chão ele correu para o abismo e saltou: - É vida!<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-85553591942269008022010-04-25T18:47:00.000-07:002010-04-27T15:20:27.568-07:00Carta a um sobrinho<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMeP1s5cMdBIx3oHOFozQ7QIEyDYcLlFI5e-Y6ihtupHyYi4-JhenDu0LSJXsZxZ0i8ay6s8pIcztqFCLSXKRo7MGMjxGzlganSiSBoRdtHUuLXXasrycCRX_eVcTNPybBmjJbb341JS0Q/s1600/Zeus01.jpg"><img style="display: block; margin: 0px auto 10px; text-align: center; cursor: pointer; width: 201px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMeP1s5cMdBIx3oHOFozQ7QIEyDYcLlFI5e-Y6ihtupHyYi4-JhenDu0LSJXsZxZ0i8ay6s8pIcztqFCLSXKRo7MGMjxGzlganSiSBoRdtHUuLXXasrycCRX_eVcTNPybBmjJbb341JS0Q/s320/Zeus01.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5464298052540884850" border="0" /></a>
<br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCiOiCWohotcxfXVz1WlbC3jLvGYTeU6OhDDQ_TZJQdGAPTV2e6Hcb7GhUliPATuWn1YofFT38fpiQJOEbvpA6UsZ8jud3D_FmkYIVeE7LzOkivUvOUTPZmEbtnKOfyI40DiSmKyRmCCwU/s1600/lord_zeus1.jpg">
<br /></a>
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Espero que sim. Tenho visto suas fotos das apresentações do teatro e estou vendo que terei que ligar do Ziembinsky e perguntar dos elencos das peças para poder ver algo seu. Para não dizer que não tem meus telefones, segue junto com essa carta um cartão com todos eles, inclusive meu endereço, caso me dê a honra de responder a essa singela cartinha.</span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Me disseram que anda interessado em mitos. Provavelmente por mitologia grega, que é o caminho natural quando a gente começa a se interessar pelo assunto. Eu resolvi te escrever um pouco sobre isso e espero que goste do que vai ler nas próximas páginas. Vou tentar descrever uma história que contei para alunos meus num curso em que eu usei mitologia grega como base. Espero que você goste.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">O Fio do destino<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">De Zeus a Helena<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Vou te contar uma historinha diferente, algo que eu sei que não vai encontrar nos livros que eu pretendo te dar em breve. Vamos ver... que tal saber como Zeus gerou a maior guerra do mundo grego para poder se livrar de um “probleminha” familiar dele? <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Na verdade tudo começa no Kaos (ou Cáos) uma divindade bem lá de trás, antes mesmo do tempo e até mesmo do espaço existirem. Kaos é uma bagunça só. Na verdade ele é tudo misturado e sem forma, como as suas roupas no cesto antes de lavar, só que pior, como se elas estivessem costuradas umas nas outras e misturadas com as dos seus irmãos e misturadas com perfumes, jogos de Playstation, cabelo velho, perna de barata, pedacinho de feijão no dente e tudo o mais que você puder imaginar. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Acontece que na mitologia Kaos era isso. Era tudo misturado, sem diferença, sem distinção, sem sentido (mais ou menos como turistas japoneses ou o noticiário da TV). Um dia Kaos se sentiu isolado, carente e sozinho (dizem que ele estava tentando coçar as próprias costas, mas, na bagunça, não achava nem o coçador nem a própria mão e quando achou uma mão não tinha bem certeza de que era sua) e, então, pra se livrar da coceira, juntou toda a matéria num único ponto, que chamou de Gaia.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Gaia era toda a matéria condensada num pontinho que se separou de Kaos. Ela precisava se separar para coçar as costas dele, lembra? Mas à medida que ela ia coçando, ele - que era tudo e era bagunça - foi se arrumando em Gaia e não-Gaia, em bagunça e não-bagunça, até que desapareceu.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Gaia, que passou três eternidades, dois infinitos e meio “para sempre” coçando as costas de Kaos até que ele desaparecesse, finalmente respirou aliviada. Do suspiro profundo saído dos pulmões primordiais de Gaia saiu Úrano (não, não é urina, é sopro e se chamava Úrano, com acento no “u”) e Úrano se espreguiçou por todo o espaço possível, criando, junto com Gaia, o que os antigos contadores dessa história chamavam de Kosmos (“ordem”). Antes com Kaos era uma bagunça generalizada: mosquitos comiam dinossauros que tinham patas de caranguejo enquanto hipopótamos azuis dançavam com igrejas cantantes.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Úrano e Gaia se olharam e se acharam assim... engraçados. Ela toda feita de matéria, toda terra, toda árvore, metal e pedra; Ele todo feito de ar, sopro, vento, idéias. Então casaram e tiveram muitos e muitos filhos, todos deuses. Mas com receio de que algum filho pudesse destroná-lo de seu lugar como rei dos deuses, Úrano não deixava que Gaia desse à luz os deuses que se avolumavam em sua barriga. A deusa terra foi ficando cada vez mais inchada, roliça, rotunda, parecia uma bola de praia. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Um dia, cheia de dores, ela disse aos seus filhos – todos cada vez mais amontoados e sufocados dentro de seu ventre:<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">- Aaaaah!!! Essa agonia está me matando! Minha pele está esgarçada, meu corpo inteiro dói e meu umbigo parece um vulcão! Aquele entre vocês que conseguir me livrar da tirania de seu pai Úrano, será o novo rei dos deuses. Qual dentre vocês vai me livrar dessa dor?<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Dentro de Gaia haviam três gerações de divindades que ouviam seu discurso: os três Cíclopes - Arges, Estérope e Brontes -, mestres do raio, do trovão e das tempestades, os três Hecatônquiros – Coto Briareu e Gias -, os maiores de todos, gigantescas criaturas com cem braços e cem olhos e, por último, a geração dos doze Titãs, seis homens – Oceano, Ceos, Crio, Hipérion, Jápeto e Crono – e seis mulheres – Téia, Réia, Febe, Mnemosina e Tétis . <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Não se sabe ao certo se o mais novo entre as três gerações de divindades dentro de Gaia foi o mais ávido pelo poder ou se simplesmente não teve forças para se esconder atrás dos irmãos quando todos, amedrontados, se acotovelaram para dentro de Gaia, com medo de uma punição do Pai todo-poderoso Úrano, Senhor dos Céus. O fato foi que Gaia entendeu que seu caçula Crono, deus do tempo, era aquele destinado a vingar a mãe pela crueldade do pai, que não deixava que ele e seus irmãos nascessem. A mãe terra deu então a seu filho vingador uma foice feita do “leite do seu seio”, na verdade uma foice criada pelo metal líquido que corre nas entranhas do planeta, e, com essa foice, Cronos foi instruído a subir por uma nuvem até o espaço em que poderia avistar alguma parte de seu pai. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Não demorou muito para que Úrano viesse, como sempre, visitar Gaia e esta, sem muita opção mas tramando em segredo, deixou que ele entrasse. Assim que Úrano chegou, Crono se adiantou e, com a foice, castrou seu pai que, num urro grotesco que se confundiu com as vibrações do universo por milhares de anos, ecoou avassalador ensurdecendo toda a realidade por aquele momento. Ao se afastar, sangrando, Úrano lançou a seguinte maldição: <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">- Serás destronado e destruído pelo mais jovem entre os seus! <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Crono sabia muito bem que, a partir de agora, deveria temer, acima de tudo, seus filhos. Sendo assim libertou todos os seus irmãos titãs, menos aos Hecatônquiros e aos Ciclopes, irmãos mais velhos que ele sempre temeu. Os titãs casaram entre si e tiveram várias outras divindades, sobrinhos de Cronos que casou com Réia, uma de suas irmãs. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Por causa da maldição de seu pai Úrano, Cronos temia muito que qualquer filho seu viesse a crescer para lhe derrotar ou tomar seu lugar. Então pedia a sua esposa Réia que, assim que nascesse qualquer um de seus filhos, o entregasse para que ele pudesse... criar a criança. Na verdade ele engolia os bebês e dizia para Réia que “em breve” ela os veria de novo. Depois de um tempo, claro, a deusa regente do mundo começou a estranhar o sumiço dos bebês e a criar um ressentimento muito grande do poderoso rei dos deuses, seu marido. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Depois de um tempo ela engravidou de seu sexto filho, Zeus. Cansada de dar seus filhos para que Crono desaparecesse com eles, escondeu o pequeno Zeus numa caverna na ilha de Creta e deu a Crono uma pedra enrolada com línguas de animais para que ele as comesse. Crono não estranhou e engoliu rapidamente o que achava que era o pequeno Zeus.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Zeus cresceu numa caverna na Ilha de Creta e foi criado por sua avó Gaia e por uma cabra chamada Amaltéia, mas essa é uma outra história que contarei a você um outro dia. O fato é que Zeus cresceu o suficiente para batalhar com seu pai Crono, conseguiu fazer com que ele vomitasse seus irmãos engolidos e, junto com eles, libertou os Hecatônquiros e os Ciclopes unindo forças contra seu pai e seus tios, da geração dos Titãs. Foi uma batalha horrível, que modificou todo o solo do mundo, criou e devastou montanhas, desviou cursos de rios e criou explosões oceânicas enquanto o céu bradava. Os titãs sobre o monte Ida e os olímpicos receberam seus nomes justamente por estarem localizados sobre o monte Olimpo, bem no centro da Grécia. Sobre essa batalha podemos conversar mais à frente, o fato é que os Olímpicos venceram e Zeus, cumprindo a profecia de seu avô Úrano, destronou seu pai Crono e tornou-se o novo rei dos deuses.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Muito tempo se passou e Zeus, estabilizado no poder e depois de ter dividido o universo entre três camadas sobre as quais ele reinava supremo, desentendeu-se com seu primo Prometeu, por este ter roubado o fogo sagrado dos deuses e levado para os homens, para que eles se abrigassem no frio, cozinhassem e pudessem dormir de noite sem medo de serem atacados por animais selvagens. Zeus havia tirado o fogo dos homens por medo de que eles adquirissem poder suficiente um dia para destroná-lo. Ao contrário de seu avô e de seu pai, Zeus não engolia seus filhos, mas sempre fez questão de ser um ótimo pai, amigo e companheiro de seus filhos, para que nenhum deles quisesse se virar contra ele. De qualquer forma Zeus prendeu seu primo Prometeu no monte Cáucaso onde ele ficou de cabeça para baixo tendo seu fígado comido eternamente por uma águia. O fígado de Prometeu se regenerava toda noite e, assim, ele ficaria sofrendo para todo o sempre, não fosse o fato de Prometeu ser um deus que conhecia a “Mântica”, a arte da adivinhação, e, por isso, sabia de um segredo que muito importava ao rei dos deuses: Como e quando ele iria ser deposto!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Zeus havia jurado a Prometeu que ele nunca se veria livre da punição por ter dado o fogo aos homens, que estaria “ligado ao monte Cáucaso para sempre”. Então não poderia libertá-lo e, sem essa liberdade, seu primo também não diria quem, como e principalmente quando Zeus seria destronado.<span style=""> </span>O deus dos deuses estava completamente encurralado por sua própria palavra. Não poderia libertar Prometeu porque a palavra de Zeus não volta atrás, e sem voltar atrás não poderia saber como impedir que um filho seu pudesse tomar seu lugar, como fizeram seu pai e ele mesmo. Chamou Hermes, um de seus filhos e deus dos mercadores, da comunicação e dos ladrões para persuadir Prometeu. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Seguiu-se uma terrível discussão em que Prometeu, usando da sua <i style="">polymetes</i> (astúcia, inteligência ligada à prudência) reverte todos os argumentos de Hermes lhe mostrando que, por ser patrono dos mercadores e ladrão desde o nascimento, o deus de pés alados não poderia compreender que Prometeu não estaria interessado em ‘ganhar’ qualquer coisa com aquela discussão e nem Hermes teria qualquer autoridade para acusá-lo de ladrão, pois como Prometeu “roubou” o fogo de Zeus para dá-lo aos humanos, Hermes, assim que nasceu, roubou os bois de seu irmão Apolo. Hermes voltou a Zeus de mãos abanando, apenas para ouvir o trovão na voz de seu pai, expulsando ele para longe, irritado com a falta de habilidade do deus da comunicação e da lábia. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Muito tempo depois Hércules libertou Prometeu do monte Cáucaso e, para não desobedecer a seu pai Zeus, deixou que uma das correntes que prendiam ao poderoso deus pelos pés ficasse presa, quebrando apenas uma parte da montanha. Dessa forma Prometeu ficou para sempre preso a um pedaço do monte, e, liberto do castigo de Zeus, disse a Hércules que Tétis – uma deusa do mar, filha do Titã Oceano – estava fadada a ter um filho cem vezes mais poderoso que o pai e este, com certeza, poderia destroná-lo e matá-lo. A essa época Zeus estava cortejando Tétis quando foi avisado por Hércules. Zeus então desistiu imediatamente de estar com ela e obrigou a deusa do mar a casar com um mortal que, mesmo que fosse cem vezes mais poderoso, nunca chegaria aos pés de Zeus. Porque mesmo que Tétis viesse a se casar com outro deus, seu filho, cem vezes mais forte que o próprio pai, ainda poderia dar problemas no Olimpo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Zeus arranjou para que Tétis casasse com Peleu, um rei grego, e desse casamento nasceu Aquiles, o maior dos heróis da Grécia. Cem vezes melhor que seu pai, mais forte, mais rápido, mais habilidoso do que qualquer ser humano e melhor do que qualquer um dos Heróis gregos de sua época, Aquiles foi o maior herói grego de seu tempo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Ao casamento de Tétis e Peleu foram convidadas todas as divindades do Olimpo, menos Éris, a deusa da discórdia. Afinal, quem quer a discórdia numa festa de casamento? Bem, no dia da festa Atena - deusa da inteligência, justiça e estratégia – Hera – esposa de Zeus, deusa do poder, da família e do casamento – e Afrodite – deusa do amor, da sensualidade e da sedução – estavam conversando juntas. Éris jogou entre elas uma maçã de ouro em que estava escrito “para a mais bela”. As três deusas correram para Zeus, para que ele decidisse a quem pertencia a maçã, qual delas era a mais bela. Zeus, esperto que é, não poderia escolher entre duas filhas e sua esposa e disse a elas que o príncipe Páris, de Tróia, era o mais justo entre os homens e ele poderia facilmente decidir a quem pertencia a maçã. Mesmo que Zeus já soubesse que isso não ia dar em boa coisa porque Páris não era nada justo, e, para falar a verdade, havia feito tantas bobagens como príncipe em Tróia que seu pai Príamo havia deixado ele de castigo cuidando dos rebanhos do reino bem longe do palácio. As três deuses tentaram Páris, cada uma a seu modo, subornando-o. Hera ofereceu poder e o reinado sobre o mundo, Atena ofereceu a vitória em todas as batalhas que travasse, a glória e a sabedoria e, por último, Afrodite ofereceu a Páris o amor da mais bela entre as mulheres, Helena. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Claro que Afrodite esqueceu de dizer a Páris que Helena era casada com Menelau, rei da Lacedemônia, território que depois mudou o nome para Esparta, assim como Zeus esqueceu de dizer às três que isso tudo ia dar um problema muito maior, uma guerra tão grande que poucos Heróis gregos sairiam vivos. Mas tudo bem, porque Prometeu esqueceu de dizer também que, depois dessa guerra, a crença na existência de Zeus e de todos os outros deuses seria cada vez menor, até desaparecer por completo... mas essas são outras histórias, para outras cartas.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="PT-BR">Conto e Receita: Renato Kress<o:p></o:p></span></p> Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-82864037278536220702010-03-30T12:06:00.000-07:002010-03-30T14:03:35.494-07:00Malik, Porta do Inferno<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXBLViPO8ZY04k7PP8RyKcxRIhIj56mlZwSUImMQCjudSDNYm3La3okJh8p31xRIZUo_7g4k4e4C0NMctW1L8k_bNhtNqubq1Xuett_nnOkgSBXPiB5-R-4IOORNAmD0Nd4nsW9aGTq_xU/s1600/malik.jpg"><img style="float: right; margin: 0pt 0pt 10px 10px; cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXBLViPO8ZY04k7PP8RyKcxRIhIj56mlZwSUImMQCjudSDNYm3La3okJh8p31xRIZUo_7g4k4e4C0NMctW1L8k_bNhtNqubq1Xuett_nnOkgSBXPiB5-R-4IOORNAmD0Nd4nsW9aGTq_xU/s320/malik.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5454514943907719330" border="0" /></a>
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<br /></span></p> <p style="color: rgb(102, 0, 204);" class="MsoNormal"><span lang="PT-BR"><span style="font-size:180%;"><span style="font-weight: bold;">N</span></span>ão se sabia de pai. A mãe, Inácia, era uma negra carrancuda cuja mãe a forçou a andar antes da hora – o que lhe custou os joelhos arqueados e o andar torto que vagueava a vida. Inácia não era de falar. Exceto pela mão estendida nas subidas de escadas – suplício diário – pouco incomodava vizinhos. Foi surpresa geral que a barriga, depois de tempo, era de homem e não de gordura mesmo. Dizem que foi coisa do patrão, um muçulmano pardo de barba branca, barriga proeminente e dedinhos ágeis. </span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Malik – nome que o garoto recebeu do padrinho, seu Amin – sempre foi um moleque diferente. Herdou da mãe o silêncio. Toda a gente estranhava o olhar distante e sério daquele moleque grande. Com quatorze anos as gorduras foram se arrumando pra cima e com dezesseis já baixava cabeça pra entrar em casa. Isso bastou pra calar o ânimo da vizinhança, que nem Inácia era alta, nem seu Amin. Começaram a acreditar no que Inácia havia dito para Penha, amiga de costura nos domingos, quando soube do menino: Tinha sonhado com um anjo, seu filho tinha uma missão a cumprir.
<br /></span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Seu Amin conseguiu que Malik fosse jogar basquete. O professor sentiu pressionar a última vértebra do pescoço enquanto subia o queixo para falar com o rapaz. Aquela vértebra deu a Malik uma bolsa de estudos. Acontece que o talento não vem com a genética. Malik era lento, ficava ali, no garrafão, pesado, esperando um passe ou, na volta, ficava na própria cesta, tirando as bolas do adversário. Por um tempo funcionou. Logo foi neutralizado pelos adversários. Cansou a torcida, a vértebra do técnico e, com o tempo, seu Amin.</span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Malik começou a fazer entregas na comunidade para uma loja de roupas, para as costureiras associadas, para as lavadeiras. Não era simpático nem antipático. Por toda extensão abrupta do seu corpo mecânico e enferrujado, só se via vida se, com sorte, alguém alcançasse seus olhos negros a mais de dois metros de altura. Esses eram vivos, detalhistas, analíticos. </span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Um dia um conhecido – Rafael – levou Malik para uma academia de musculação dizendo que ele poderia malhar de graça se, à noite, limpasse e arrumasse o lugar. Malik consentiu com um aperto de mão e um quase-sorriso. Era academia de manhã, entrega de tarde, limpeza de noite. </span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">No quinto mês Rafael apresentou “Careca” a um Malik grande, musculoso, assustador até. “Careca” era um cara simpático, de sorriso frouxo e sandália, tipo que a cada meia hora dá um tapa no seu ombro e levanta ainda mais a voz pedindo outra rodada. Foram três dias de conversa fiada na saída da academia, três dias e Malik já havia – com coisa de “sim”, “é”, “a-ham”, “vamô vê” – arranjado uma cadeira do lado de fora da boca mais movimentada por ali. E era uma cadeira rentável: trezentos por fim de semana e cinqüenta por noite avulsa. Agora não precisava limpar pra malhar na academia. </span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Na verdade muita coisa ficou de graça, o que aumentou o tempo livre. Nada antes tinha dado a estabilidade de sentar naquela cadeira de bar, do lado de fora de três casas geminadas de tijolo exposto, das sete da manhã às sete da noite. Era olhar em volta, três sinais básicos pra “passa”, “volta” e “espera”. O resto não era mais com ele.</span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">No tempo livre Malik sumia. Havia arranjado uma moto de terceira mão e na semana passava o dia na rua. A mãe, desgostosa, falava cada vez menos, o padrinho, sabendo, procurava cada vez mais. Telefonemas e até carta foram parar das mãos de Inácia para a porta do quarto de Malik. Nenhuma resposta, nada. Para a mãe apenas uns maços com notas vermelhas e marrons apareciam dentro do criado-mudo, nada mais.</span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Com o tempo veio o respeito. Malik era o guardião da porta do inferno por ali. Não perguntavam mais onde ia ou o que fazia nos dias de semana, diziam que havia arranjado uma namoradinha pros lados de Jacarepaguá e isso acalmou os curiosos. Nem todos.</span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Num dia cinza Careca mandou Binha e o Derú seguirem Malik. Malik queimou o asfalto na Perimetral, desceu pro Centro, Glória, desapareceu. Dia seguinte as namoradinhas de Binha e Derú desapareceram para nunca mais. Passou a ficar desinteressante seguir Malik. Até porque ele sempre estava presente no serviço, ali, imóvel, impassível. Olhos negros que marcavam a cadência da vida no lugar: “espera”, “volta”, “passa”.</span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Um dia homens de preto, colete, fuzis e coturnos subiram as escadarias. Fecharam as saídas por baixo, comeram muito chumbo, o ar pesava e zunia. Era ano eleitoral, todo mundo sabia que não ia parar por ali. De dois em dois anos a coisa ficava mais tensa, que era preciso mostrar serviço. O pessoal sabia que tinha que fugir ou morrer, porque a TV tava lá: dois repórteres, um em cada das grandes saídas. </span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Depois de três dias, o sopé tava cercado. “Careca” e o chefe lado a lado agachados na saída das casas geminadas. Dava pra ver as manchas negras se movendo, subindo as ruelas. Entrecortando os silêncios ocos elas iam atirando e subindo. </span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Foi quando “Careca” entrou na casa, correu pro canto da parede e se enterrou no chão com a boca num cano retorcido que dava pra parede da casa. O som da porta se arrebentando com o pé de Malik inundou a casa, arrastando pelo pescoço o chefe que se esvaía em sangue e debatia. Assim que viu o cano, por onde Careca respirava, afundou o pé com toda força.</span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Por trás das costas de um Malik nublado e impassível entraram na casa três homens do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. Dois dos pacotes com notas de cinqüenta e cem voaram para os braços do guardião da porta do inferno. No dia seguinte dona Inácia ganhava uma chácara em Mazomba, Itaguaí.
<br /></span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR">Conto e Receita: Renato Kress</span></p> Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-45245263897408397042010-03-23T20:17:00.003-07:002012-03-08T06:37:04.351-08:00"Ela"<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJXw7wtYnfsGR6kcahAsoU01xB7KbQTCyEGigCFsgKDSUt19IXeBqzabayI13Gz8K8qWzbsWOTbuV-Rid0c4l5zzecfi0fPzOt_jgByxwiJbzZHLIDEvygp5esnQKK2ub4KwgH5j10JwS_/s1600-h/silhueta.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5443389170619856722" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJXw7wtYnfsGR6kcahAsoU01xB7KbQTCyEGigCFsgKDSUt19IXeBqzabayI13Gz8K8qWzbsWOTbuV-Rid0c4l5zzecfi0fPzOt_jgByxwiJbzZHLIDEvygp5esnQKK2ub4KwgH5j10JwS_/s320/silhueta.jpg" style="cursor: pointer; display: block; height: 231px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 320px;" /></a><br />
<br />
<br />
<span style="color: #333399;">-<span style="font-size: 180%;"> A</span>h, ôu, na boa! Como vocês acham que deve ser "ela", então?</span><br />
<span style="color: #333399;">- Ah, cara, sei lá. Tem que ser linda, dessas que a gente chega em casa e pensa que entrou na casa do vizinho rico e bonitão, sabe?</span><br />
<span style="color: #333399;">- Nem acho. Tem que ter aquela sintonia, cumplicidade, companheirismo.</span><br />
<span style="color: #333399;">- E ser boa de papo é indispensável. Acho que tô com a Sofia muitas vezes porque gosto da voz dela.</span><br />
<span style="color: #333399;">- Tá, a Sofia é a maior gata, nem é só por isso. Se ela não malhasse pacas e trabalhasse contigo você talvez nem desse bola pra voz dela. Pra mim a mulher tem que te seduzir. E tem que ser diário isso.</span><br />
<span style="color: #333399;">- É surreal, a sedução cansa, porque é um jogo, cara! Sedução não é meio de vida, é um jogo e se ninguém apita a partida a gente acaba cansando rápido demais. Depois de um tempo você olha pro lado e pensa que se tem sempre que se dar todo aquele trabalhão... no fundo acaba não valendo a pena.</span><br />
<span style="color: #333399;">- Teco tem razão... e, na moral? A gente curte um troço meio frenético, pesado, sem discussão, sem desculpa, sem frescura.</span><br />
<span style="color: #333399;">- E não é?</span><br />
<br />
E rola mais uma rodada entre aqueles quatro amigos, na beira da praia, um domingo nublado do lado do carrinho de cerveja.<br />
<br />
- Falando sério? Depois da Paula eu decidi que mulher tem que ter graça, que a gente tem que rir junto.<br />
- Mas a Paula era a maior mal-humorada, cara.<br />
- Porra, por isso mermo! Imagina ficar dois anos com uma mulher que não dá um sorriso, sempre reclama de tudo. Parecia uma velha, de mal com a vida: "Vai comer esse sorvete? Que horas a gente vai na minha mãe? Achou a menininha bonitinha?". Na moral, vai regular a mãe!<br />
- Mas era gostosa...<br />
- É, uma velha gostosa! Ainda assim uma velha... e com o passar do tempo a gostosa vai embora e você só vai ficar com a velha mesmo. E sabe o pior? Uma velha treinada! Treinou desde os vinte pra ser insuportável aos setenta. No fim de tudo você não consegue nem conversar, até olhar pra cara da pessoa te cansa. No fim das contas eu olhava pra Paula e via uma tabela nutricional e os horários da academia!<br />
- Cara, a conversa tem que fluir, não tem como! Imagina, pode ser a mais deliciosa...<br />
- Tipo aquela ali? Biquini amarelo?<br />
- Não, aquela pode ficar calada que tá tudo certo...<br />
<br />
Gargalhada geral e mais uma rodada de cerveja entre os amigos. Os olhos quase atravessam as latas fulminando a morena de amarelo.<br />
<br />
- Mas falando sério, a Paula era melhor que essa aí, e não deu pra sustentar.<br />
- Cara, ela se daria bem com um cara parecido com ela, mais caladão ou que não gostasse da vida, reclamasse por esporte. A coisa é você encontrar quem tenha sintonia contigo.<br />
- Tá acreditando em alma gêmea agora, Nathan?<br />
- Não falei em alma gêmea, ler pensamento deve ser bizarro. Imagina, você pensando "preciso largar um barro" e sua alma gêmea ali, dentro da sua cabeça... Cara, o lance é essa sintonia do momento. Porque as pessoas tem fases, nem sempre são as mesmas, e aí a gente tem que estar ligado pra viver aquilo junto ou deixar passar a fase...<br />
- Ou deixar passar a pessoa.<br />
- É... ou isso.<br />
- Esse lance de "ela" não existe! Na boa! Tudo tem começo, meio e fim. Não tem como!<br />
- Mas se a gente está procurando "Ela", no mínimo é porque não quer pensar no fim por agora.<br />
- Ou nem acha que precise ter fim. Nathan mandou bem, a coisa tem fases. Se a gente passar as fases juntos, na sintonia, as coisas vão passando e a gente vai se acertando. As fases começam e terminam e a gente continua junto.<br />
- Na moral? Dificil paca, você sabe, eu sei, qualquer um sabe. Pra isso a mulher tem que ter uns valores parecidos com os teus, e valor é loteria! Não é o tipo de parada que você pega naquela primeira conversa perfeita, num bar com uma vista foda e você só tem vista pro sorriso...<br />
- ...ou pros peitos...<br />
- ...ou pros peitos dela! Mas é isso. Os valores da mulher a gente só saca quando já cansou ou acostumou com o sorriso... e os peitos... dela.<br />
- Mas pra viver junto não tem outra, ou os valores batem ou a gente acaba se batendo! Lembra da Aléxia? Ela não me deixava sair com vocês, queria que eu ficasse em casa estudando e meditando com ela. Cara, meditar domingo?<br />
- Ela não prestava concurso? Tinha que estudar mesmo!<br />
- Acho que nesse caso foi tu não querer ela mesmo. O lance dos estudos...<br />
- ...e meditação!<br />
- ...e meditação só não foram contornados porque você nem tava afim. A menina era meio nerd meio hippie, você não é. Não deu. Paciência.<br />
<br />
O silêncio se corta com a mão de Teco que aponta para a beira do mar:<br />
- Mulher tem que ter coxa!<br />
- ...e bunda! Sem bunda não há estabilidade no relacionamento. Como é que se espera de um brasileiro que viva sem bunda dentro de casa?<br />
- Ô, e viva a bundalização geral!<br />
<br />
Mais uma rodada. O sol começava a se abrir e a areia pinicava as canelas dos oito pés afundados.<br />
<br />
- Sei lá cara, às vezes penso que seria bom dividir a vida com alguém, ter uma pessoa em casa pra te fazer companhia, pra ler, ir no cinema, falar bobagem.<br />
- Pra lavar, passar, cozinhar...<br />
Um tapa no ombro e chute na canela depois<br />
- "Xá" de ser escroto! Na boa, seria bom só ter alguém pra você relaxar junto, sem ter que pensar, que repensar nas palavras, nos atos, até nos teus pensamentos. Se eu não consigo relaxar com uma mulher, não sei pra que serve ficar com ela.<br />
- Verdade.<br />
<br />
Foi quando Teco, Nathan e Rafa olharam para o Bruninho. Todo mundo falou alguma coisa, menos o Bruninho. Silêncio geral.<br />
<br />
- Que foi?<br />
- Você não falou nada cara!<br />
Bruninho em tom de defesa:<br />
- Concordei que a morena de amarelo era gata!<br />
- E...?<br />
- E é isso.<br />
- Ôu Bruninho! Pera lá! Vai dizer que você não imagina como deve ser a tua "ela", a "Bruninha"?<br />
<br />
Bruninho baixou a cabeça pra lata de cerveja, levantou os olhos e encarou fundo os três amigos, coisa de dois segundos para cada um. Deu um sorriso:<br />
<br />
- Sinceramente? Na moral mermo?<br />
- É.<br />
- Escrevi uma carta pra Laura outro dia, mas decidi não mandar. Frases soltas, não sou de escrever. Ainda tá no bolso:<br />
<br />
"Pensei em sair com você. Tentar algo de verdade. Chamei algumas vezes. Da última você simplesmente foi ríspida. Chamei, cheguei até a insistir. É o que faço quando quero algo, faço o possível. Ir na tua casa tocar tua campainha não ia fazer, nem teu telefone eu tenho mais, perdi com a minha agenda. Sua amiga veio falar comigo. Pensei que poderíamos ainda tentar algo e tentei de leve. Mais uma furada. Agora se quiser sou teu amigo. Conversaremos sempre que você quiser, mas a gente cansa de tentar. Ainda mais quando percebo que a concorrência mexe mais contigo do que eu. Parece não, mas me valorizo. De qualquer forma, se quer voltar pra São Paulo conversa com seus pais, procura apoio, não fique num lugar que não te faz feliz. Na boa. Eu quis continuar nossa história, foi quando percebi que nem sempre tem de haver uma história. E muitas vezes, simplesmente não há."<br />
<br />
Eles ficaram se olhando... sem muita certeza do que falar. Foi quando o próprio Bruninho deu uma risadinha e falou:<br />
<br />
- Cês viajam! Escolhem demais! Sabe porque eu não vou mandar a carta? Porque não vale a pena. É coisa que a gente escreve até pra si mesmo. Acho que se vocês querem uma "ela", é bom começar a serem o tal "ele". Porque zapear mulher é mole. Ficar lá no controle remoto na night, mudando de boca como quem muda de canal. Seduzir, comer, tudo muito legal, ego vai pro céu e a gente acha que tem a lábia e a pica de platina, mas sinceramente? Mulher é problema como homem é problema porque gente é problema! É uma foda! E se não fosse, como é que ia valer a pena?<br />
<br />
Conto e receita: Renato Kress</div>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-86410163528785731252010-03-19T14:54:00.001-07:002010-03-24T06:18:50.549-07:00Um ornitorrinco na rave<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghXZftZSgHchP3LkyNVGw3G5YE7OHykQva4vhhrjBvT4Aqg55j2S-yfEjVtUgsWCmlG5I6OpO6ws1-P6DzGyDnPSOweUTzaHuWa2d4IF9AxZgVzChihodWaYEOjcUNNO3rSYr8oQDpZfj7/s1600-h/ornitorrinco.jpg"><img style="display: block; margin: 0px auto 10px; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 213px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghXZftZSgHchP3LkyNVGw3G5YE7OHykQva4vhhrjBvT4Aqg55j2S-yfEjVtUgsWCmlG5I6OpO6ws1-P6DzGyDnPSOweUTzaHuWa2d4IF9AxZgVzChihodWaYEOjcUNNO3rSYr8oQDpZfj7/s320/ornitorrinco.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5450462159569799122" border="0" /></a><br /><br /><span style="color: rgb(102, 102, 0);font-size:180%;" >P</span><span style="color: rgb(102, 102, 0);">orque era bizarro mesmo. Foi uma aposta de quatro intercambistas, em dois mil e cinco. Hans e Paollo disseram a Thalia e Sabrina que iam levar um ornitorrinco prum trance em Melbourne. Thalia tinha a estranha mania de levar um ornitorrinco de pelúcia para as festas e tiravam várias fotos do bichinho de óculos escuros, tomando red bull e até nadando numa piscina somente com mulheres, isso deu aos dois rapazes a idéia inicial: "e se fosse um de verdade?"</span><br /><br />Aquela idéia passou a ser cada vez mais surrealmente divertida e estranha, principalmente porque os mamíferos ovíparos com cauda de castor e bico de pato vivem presos em cativeiro, no escuro, em ambiente aquático. Perceberam que em Melbourne a segurança dos viveiros é praticamente impenetrável, o que excitou mais ainda o ânimo dos amigos. O clima todo era de missão impossível e os rapazes ficaram dias bolando a melhor estratégia e o melhor ponto para se conseguir um espécime.<br /><br />Tentar caçá-lo ou capturá-lo além de crime ambiental provavelmente ia levar os estrangeiros, alemão e italiano, a serem deportados, na melhor das hipóteses. Pesquisaram o animal na wikipedia e descobriram que o bicho, além de tudo, deveria ter parentesco com escorpiões também, afinal "O macho tem esporões nos tornozelos<span style="color: rgb(0, 0, 0);">, que produzem um coquetel venenoso,</span><span style="color: rgb(0, 0, 0);"> composto principalmente por </span>proteínas do tipo defensivas (DLPs), que são únicas do ornitorrinco. Embora poderoso o suficiente para matar pequenos animais, o veneno não é letal para os humanos, mas pode causar uma dor martirizante e levar à incapacidade." - ok, luvas de borracha! Visitaram virtual e pessoalmente os cativeiros mais próximos, analisaram o sistema de segurança de cada um dos santuários como Healesville e o parque da vida selvagem David Fleay e, depois de decidir raptar um de uma cidade bem longe, procuraram as rotas de fuga no google maps.<br /><br />O plano ficou simples: Paco - o ornitorrinco de Thalia - seria o dublê. Um carro com os dois seguiria para o hotel Hilton de Brisbane, onde uma família de adoráveis quadrúpedes esquisitos era mantida para a diversão de seus abastados hóspedes e a segurança parecia mais... "relapsa". A ida, passando por Shepparton, Moree e Warwick era fornecida como o caminho mais rápido, predizendo vinte e uma horas de viagem. Nessa hora poderiam obedecer às rotas indicadas como preferenciais, mais rápidas, a volta é que era o grande enigma. Atravessar o deserto australiano via st. George e seguir um retão até girar noventa graus em Cunnamulla, seguir até Cobar e passar por cidades nada turísticas como Wilkannia e Broken Hill, descendo de volta até Melbourne, esse acabou sendo o caminho mais interessante, mesmo levando um dia e seis horas de viagem.<br /><br />Chegando em Brisbane, um dia antes do festival de música eletrônica em Melbourne, Hans alugou uma pick-up, deu uma volta na cidade e voltou para a concessionária, alegando que o carro estava com um barulho esquisito e que ele preferiria trocar. Falando com uma certa pressa em visitar a namorada fictícia e fazer uma surpresa, acabou saindo com o segundo carro e indo direto ao Hilton. Enquanto isso Paollo estava observando o aquário negro onde os ornitorrincos nadavam, alheios ao bate estaca que em pouco mais de um dia envolveria algum felizardo contemplado com a possível fama instantânea, no lugar daquela água negra. Os dois amigos passaram pelo mesmo corredor, caminhos opostos, como se não se conhecessem. Paollo carregava uma gaiola envolta num papel de presente com Paco dentro. Hans estava com as mãos nuas.<br /><br />Cinco minutos após se cruzarem Hans passa com o animal pingando nas mãos, os seguranças correndo atrás! Paollo tenta interceptá-lo, mas os dois se chocam e Hans é capturado. Paollo sai xingando, com seu pacote de presente, Hans é levado para dentro do hotel com a gaiola. O plano de trocar de carro, fechar contrato com um e levar outro na locadora pra despistar a polícia e fugir com aquela prova do humor de Deus parecia frustrado... ou não?<br /><br />Um dia depois está na primeira página dos jornais locais de toda a Oceania, as fotos de Paquito, o ornitorrinco de óculos Oakley e camisa Ecko nadando na psicina de bolas, com Paollo, que teve que ser resgatado porque, num acesso de carinho com o mascote da festa, perdeu o movimento do lado direito do corpo e não conseguia sair da piscina, de onde foi retirado por policiais australianos.<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-44157270031563825562010-03-17T08:35:00.000-07:002010-03-24T06:17:24.540-07:00Vingança perfeita (ou Mulheres e sapatos)<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrWRL47AHZddHn-MvS4RKeG7q7u3eWCmVAnBDCnppkkNOrkU8ageQQup5UhowBMYvAv6RyNavsPjwv3y6N38pga4ZfMn_R2Uyby0z-Vu13iDizxV2wzHaUbxcV605n1lBD1SqlSPl5ZVho/s1600-h/sand%C3%A1lia+perfeita.jpg"><img style="float: left; margin: 0pt 10px 10px 0pt; cursor: pointer; width: 300px; height: 272px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrWRL47AHZddHn-MvS4RKeG7q7u3eWCmVAnBDCnppkkNOrkU8ageQQup5UhowBMYvAv6RyNavsPjwv3y6N38pga4ZfMn_R2Uyby0z-Vu13iDizxV2wzHaUbxcV605n1lBD1SqlSPl5ZVho/s320/sand%C3%A1lia+perfeita.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5449652184472157810" border="0" /></a><br /><br /><br /><span style="color: rgb(204, 0, 0);font-size:180%;" >E</span><span style="color: rgb(204, 0, 0);">le não conseguia deixar de pensar nela. Mas isso é porque havia uma história. Num carnaval passado haviam ficado juntos a semana toda. Segunda vez que estavam juntos, sendo que da primeira - quando se conheceram - ela estava tendo as primeiras férias depois de três anos ininterruptos a serviço de uma grande empresa. Largou uma viagem de um mês para ficar quatro semanas na casa dele. Talvez o excesso de proximidade repentina, talvez uma xícara "para o melhor namorado do mundo" no aniversário dele, no fundo não sabe. Tudo muito rápido, tudo muito denso e intenso um espaço de tempo minúsculo como se um suspiro mais profundo fosse estourar aquela bolha de ar sentimental. Ele não resistiu. Se afastou.</span><br /><br />Depois veio o carnaval, trazendo antes da hora o vazio sentimental da quarta feira de cinzas. E ele viu a xícara e o telefone lhe veio à orelha e a campainha trouxe ela de volta. O carnaval mostrou a distância entre gostos e a lua de mel do primeiro mês se esvaiu por entre os dedos dela, que não largavam o playstation dele, e os dele, que experimentava mil perucas para sair nos blocos. O tiro no peito dele foi o Oscar, no fim do carnaval, o bloco na esquina, ele na porta e ela querendo ver o Oscar - "porque a Angelina estava muito magra, mas o Brad lindo..."<br /><br />Então eles se separaram. Os meses trouxeram pessoas que não trouxeram sintonia e derrepente não era de todo ruim que ela gostasse do video-game, até que ver o Oscar sentindo o perfume dela passou quase a ser uma obsessão. E o telefone veio à boca e campainha ficou muda. Ela estava namorando. Foi quando bolou a vingança perfeita.<br /><br />Passeando por um bairro vizinho ao seu, desceu os olhos sobre um par de sandálias que ela sempre quis. Entrou - entre os sorrisos das vendedoras para o provável "melhor namorado do mundo" -, comprou. Dez prestações na Nine West. Passou numa floricultura, um buquê de rosas colombianas e um cartão vermelho.<br /><br />Finalmente trocou o telefone por um rádio, novo número, nova vida. Bloqueou e excluiu ela de toda virtualidade possível, orkut, facebook, msn, twitter, até os e-mail's dela marcou como spam. Era o melhor momento.<br /><br />Às nove horas da noite, voltando da academia, ela encontrou um buquê gigantesco de rosas na portaria, enfiado na sandália mais linda que ela já vira. Estranho... só o pé esquerdo. Do lado de dentro um cartão: "Game over. Thank's for playing."<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-35240355109940086982009-12-07T09:17:00.000-08:002009-12-07T14:21:33.478-08:00A morte dos Magos (como nasce uma religião)<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimshA0JlxnZ-Z9i_sEFE50nlFl1GUdonVHYZuf30TLf8OlkzYLVPbHMjOpX_Hkj0gJRGaoGtrqslKuKSKspyCrEvX2Jwg1XmiQCc4M6gVeEijvu-juATXRKzzQnZJ2eFYr2-IqN_EhSkgt/s1600-h/ahura_mazda.jpg"><img style="margin: 0pt 0pt 10px 10px; float: right; cursor: pointer; width: 320px; height: 213px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimshA0JlxnZ-Z9i_sEFE50nlFl1GUdonVHYZuf30TLf8OlkzYLVPbHMjOpX_Hkj0gJRGaoGtrqslKuKSKspyCrEvX2Jwg1XmiQCc4M6gVeEijvu-juATXRKzzQnZJ2eFYr2-IqN_EhSkgt/s320/ahura_mazda.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5412585019800255394" border="0" /></a><span style="color: rgb(51, 153, 153);"><span style="font-size:180%;">A</span>s histórias, em geral, são escritas pelos vencedores. Por um motivo simples: em geral são os que saem vivos dela</span><span style="color: rgb(51, 153, 153);">.</span><br /><br /><span style="color: rgb(51, 153, 153);">O primeiro dos três grandes impérios a sentir a influência do Zoroastrismo - a religião de Zoroástro ou Zaratustra -</span> foi o dos aquemêmidas, que governou a região do Irã no início do século VII a.C. até a conquista por Alexandre em 331 a.C., com um território que se estendia desde o Egito e a Turquia até o Paquistão. A terra natal dos aquemênidas era "Fars" (Pérsia), no Irã sul-ocidental, onde se encontravam Susa, capital administrativa, e Persépolis, a grande cidade-residência do soberano.<br /><br />Grandes rivais dos gregos, que os derrotaram em Maratona (490 a.C.) e Salamina (480 a.C.), os aquemêmidas - ou Persas - adoravam tanto Ahura Mazda "que fez o céu, fez a terra, fez os mortais, fez a felicidade para os mortais e fez Dario rei" como dizia uma inscrição em Behistun, quanto outras divindades. Os textos do Avesta não podem ser datados, o que dificulta muita coisa na reconstrução dessa história, mas existe um episódio muito interessante, que fala sobre o nascimento das grandes religiões monoteístas, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Na sua ascensão, o culto zoroastriano teve de conviver com a antiga fé politeísta de matriz indo-iraniana, confiada a sacerdotes conhecidos como Magoi, ou magos.<br /><br />Os Magoi eram sacerdotes politeístas que acreditavam que todas as divindades de seu panteão existiam dentro de si mesmos e de cada cidadão do império aquemênida. Dentro de sua crença essas divindades poderiam ser invocadas em momentos específicos para a cura de uma enfermidade mental, física ou espiritual, para conceder forças e coragem na guerra, para melhorar as relações entre os fiéis etc. Da mesma forma existiam magois especializados em determinada divindade e a exercer o culto a ela, como os Magoi de Mithra "deus ancião", de Angra Mainyiu "o espírito do Mal", ou Zurwan "deus do tempo". Os Magoi, como classe, operavam curas que respeitavam a uma lógica interna que poderíamos denominar de "equilíbrio dinâmico": o excesso de passividade era curado exercitando-se a divindade agressiva dentro de si, o oposto para o excesso de agressividade, a intempestividade da adolescência era curada exercitando a observação refletida do deus ancião etc. A noção de equilíbrio dinâmico permeava sua religião, como sua política, sua colheita, relações familiares e sociais.<br /><br />Os zoroastrianos, embora não o reconhecessem, eram uma seita dentro dos magoi, que acreditavam que Ahura Mazda - uma dentre as várias divindades do panteão dos magoi - possuia um estatuto maior que os demais, era mais poderoso, mais digno de reverência e adoração. Em prol dessa crença e, submetidos aos ditames dos magoi, eles convenceram o imperador Ardashir a convocar uma assembléia onde os magói e os zoroastrianos discutiriam formas de mesclar suas crenças para que o povo não ficasse dividido, o que enfraqueceria a todo o império aquemênida. Temendo a rápida ascensão dos zoroastrianos, os sacerdotes magoi, a princípio, recusaram essa assembléia, mas, como os zoroastrianos ergueram estátuas de todas as demais divindades às portas de Persépolis - como sinal de amizade e confraternização - os magoi enfim cederam.<br /><br />Tudo naquele "concílio" era simbólico. Os magói caminhavam à esquerda enquanto os zoroastrianos à direita em duas filas indianas que contornavam o trono de Ardashir. O imperador abençoou a união daquelas ordens religiosas e indicou a sala onde o concílio, marcado para durar um ciclo lunar inteiro, deveria ocorrer. A sala representava o território do imperador, toda a vasta região dominada por Ardashir. Cores diferentes em tapeçarias diferentes simbolizavam cada uma das importantes cidades, territórios, províncias e domínios. Os móveis e tapeçarias continham um forte aroma de Sândalo e especiarias, tão forte que chegou mesmo a enjoar muitos dos sacerdotes ali presentes. Como os Magoi foram os primeiros dentro do território, seus sacerdotes, com seus chapéus pentangulares, suas vestes lilases e púrpuras, suas sandálias trabalhadas em couro fino, também foram os primeiros a entrar na sala, em fila indiana, em silêncio. Sentiam-se honrados em entrar primeiro, era seu direito simbólico e santo ocupar primeiro aquela terra representada na sala. Em silêncio aguardaram até que o último magoi entrasse naquele enorme aposento perfumado. O cair da tarde se verificava pela abóbada aberta no alto, espaço livre para as divindades celestiais entrarem em contato com as terrenas.<br /><br />À entrada do último e mais novo dos sacerdotes magoi, a sala foi trancada abruptamente e a estátua de bronze de Angra Mainyu usada como tranca. Do alto dos sete metros de altura da sala caíram, em sequência, uma a uma das cinquenta estátuas de mais de dois metros de altura de cada uma das divindades que haviam sido postas à entrada de Persépolis. Alguns sacerdotes correram para os cantos da sala hexagonal desesperados, gritando pelas paredes vazadas, trabalhadas em flores e motivos religiosos: foram mortos a golpes das lanças que atravessavam as frestas das paredes. Os poucos sacerdotes que tiveram forças e reflexos para não serem esmagados pela chuva de granito, mármore e ouro e se reuniram no centro da sala, única área onde as estátuas não podiam atingir, visto que eram arremessadas de uma grande área circular do teto abobadado, perceberam uma luz forte sobre suas cabeças - que chegaram, por segundos, a compreender como a resposta às suas preces - quando várias flechas incandescentes penetravam o salão embebido em álcool e éter disfarçado pelo cheiro das especiarias.<br /><br />A nova religião monoteísta permitiu regras de conduta mais estreitas, onde o império de Ardashir pôde militarizar e dominar novas regiões. Reza a lenda que Irineu um dos principais teólogos da Igreja Católica, nascido em Esmirna (Turquia) viveu anos com essa lenda na mente e concebeu formas de adequá-la aos seus interesses no Concílio de Nicéia - primeiro concílio cristão.<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-55740279087152074572009-12-02T19:04:00.000-08:002009-12-02T19:22:03.734-08:00Cartas de amor<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggYCQ7290hOorm0bbEPhpzFNqdQQk6VCmXSlKxo5iUUc_1eNgSyKcDUn9HWUaKj5baOpxw3Xv0QVyvlezpFwkD0QH60cJURXXt_VTLQAf5aBQcVSa_ie9nFx1IRo41hqDebvxnyu2BsLmT/s1600-h/praia01.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggYCQ7290hOorm0bbEPhpzFNqdQQk6VCmXSlKxo5iUUc_1eNgSyKcDUn9HWUaKj5baOpxw3Xv0QVyvlezpFwkD0QH60cJURXXt_VTLQAf5aBQcVSa_ie9nFx1IRo41hqDebvxnyu2BsLmT/s320/praia01.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5410841561780913458" border="0" /></a><br /><b><span style="font-family:Arial,Helvetica;"></span></b> <b><span style="font-family:Arial,Helvetica;"></span></b><br /><br /><span style="font-family:Arial,Helvetica;"><span style=""><span style="color: rgb(204, 153, 51);">Hoje eu escrevi mais uma carta na areia. Queria que chovesse. Deviam estar uns 40 graus. E talvez ela soubesse da carta. O que me deixou rubro. Não sei onde foram as sementes. Eu as trouxe para plantá-las aqui. Onde morram. Nada nasce da desolação desse deserto. Talvez seja onde eu consiga parir certas letras, nem tudo é tão doce como outrora.</span> Há um monstro vil lá fora, tão minuciosamente sádico e umbralino que só pôde visitar-me após todos os seus filhos, desgraças do mundo, terem preenchido o vácuo de perfeição que assolara o planeta, o apocalipse no fim da caixa de Pandora, a esperança. Gota amarga de memória cauterizando eternamente a ferida, o membro decepado, a inexpressividade cáustica da sub-vida cotidiana. Lenta morte irônica e lânguida, fascinando auroras, rasgando pores de sol sob uma cortina de lágrimas. Lágrimas e sementes sobre um solo inútil, sobre uma carta de areia ao vento, à decomposição da memória, das histórias, do amor.<br /><br />Conto e Receita: Renato Kress<br /></span></span>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-88620088365259513522009-11-24T10:53:00.000-08:002009-11-28T16:04:17.463-08:00Olho no olho<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWTeUPKMVdsPFYaDagHWqSroA2VFIQJzNGRy-KsDdl0qC4q20lpPzj9ThcOIUrS6QtCAdPTdHLSKqxPwuSNEyjnBy23XpFDM0qYPgqH4GfJyoBBTgZ0hoeGX44WSS5Pvoq2a0DcP6pZPzm/s1600/sangue01.jpg"><img style="MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 320px; FLOAT: left; HEIGHT: 320px; CURSOR: pointer" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5407747370940048962" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWTeUPKMVdsPFYaDagHWqSroA2VFIQJzNGRy-KsDdl0qC4q20lpPzj9ThcOIUrS6QtCAdPTdHLSKqxPwuSNEyjnBy23XpFDM0qYPgqH4GfJyoBBTgZ0hoeGX44WSS5Pvoq2a0DcP6pZPzm/s320/sangue01.jpg" /></a><br /><br /><br /><span style="color:#996633;">Sua mão grossa puxava o cabelo crespo dela para trás com força enquanto ele estocava mordendo os beiços e olhando pra baixo. Adorava ver os umbigos se batendo. A direita puxava pela bunda e cintura lisa e o suor escorregava os dois de cima do tanque. O meio das costas dela batia na torneira e ela só via a luz do sol amanhecendo por entre o basculante. Ele gozou e saiu. Levantou o short e abaixou pra pegar a camisa.<br /></span><br />Os olhos de Brás levantaram num susto – que se estendeu por longos dois segundos – enquanto ela apresentava o cano prateado da pistola dele para o meio do seu peito. Ele sorriu, tenso.<br /><br />- Vai largá minha mãe e vambora agora!<br /><br />Ele deu um passo pra cima dela, com as mãos pra cima.<br />- Vô porra nenhuma! Abaixa essa merda aí menina...<br /><br />Ela não tremeu o braço. Brás ficou paralisado. Por segundos vermelhos saídos das veias do demônio ele viu a vida toda... piscou, e ela começou a tremer. Ele deu mais um passo. E outro. Já estava com o peito colado no cano quando disse:<br /><br />- Tu num vai atirá nos meus peito me olhando nos olho!<br /><br />Ela deu um passo para trás, abaixou o braço, a arma, o corpo. Caiu sentada no sofá, a pistola entre as mãos, a cabeça entre os joelhos.<br /><br />Ele era rei. Vestiu a camisa, virou de costas e foi pro banheiro.<br /><br />- Blam!<br /><br />Entre a cintura e a bunda. Ele dobrou o joelho e enfiou a cara na porta do banheiro com tudo. Se tremia e balançava mordendo o beiço, com os olhos apertados. O sangue escorria quente e ela achou que ele se contorcia engraçado.<br /><br />- Caralho Marieta... larga essa porra e pega a chav...<br /><br />- Blam! Blam!<br /><br />No rim e no meio das costas.<br /><br />- É, não ia dá pra olhá nos teus olho mermo.<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-78201717230414317402009-11-02T16:11:00.000-08:002009-11-03T14:01:03.585-08:00O Velho do Rio<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgA_-zERXXewvW1QC0kMAzrPKM3k_DB7kCPbS0WbjKzAViDwXnROkRJd726Z5o1JCrv_1NdG_iK8vTXPfyDXT_UtQdAje5T6_K3nrovCRA4vhBIK-sTFrgCyiiecZcuQP29yWMECOC1-3Ly/s1600-h/o+velho+do+rio.jpg"><img style="margin: 0pt 0pt 10px 10px; float: right; cursor: pointer; width: 240px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgA_-zERXXewvW1QC0kMAzrPKM3k_DB7kCPbS0WbjKzAViDwXnROkRJd726Z5o1JCrv_1NdG_iK8vTXPfyDXT_UtQdAje5T6_K3nrovCRA4vhBIK-sTFrgCyiiecZcuQP29yWMECOC1-3Ly/s320/o+velho+do+rio.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5399915022384664226" border="0" /></a><br /><br /><br /><span style="color: rgb(51, 0, 0);font-family:verdana;font-size:180%;" >E</span><span style="color: rgb(51, 0, 0);">spírito Santo ali nas margens secas do Rio Iatúnas, pouco antes da entrada do Manguezal, vive o Velho do Rio. Essa história quem me contou foi meu avô, que disse que o avô de seu avô havia encontrado esse velho, no caminho para São Paulo.</span><br /><br />Depois da estrada, o tempo fechou, os cavalos um cansou, outro fugiu. Ficaram no mato: o avô do avô de meu avô, três crianças, tataravó e o Simão. Ainda não havia a ponte, mas era onde ele morava que fizeram ela. É o que contam.<br /><br />Simão, coitado, era pele e medo. Se agachou - que sua "Chica" se foi nas alturas da Bahia - e chorou por dois dias. Na terceira lua, seu gemido sumiu. As crianças juravam que Simão virou pedra, os ossos se fecharam de nunca mais abrir e a boca aberta da saudade que não preenchia ficou um oco numa pedra estranha vazada de pé e mão que lembrava um corpinho fraco, agachado no mato.<br /><br />Tataravô seguiu depois do cavalo acabar, queria achar um rio. Pra achar gente, comida e seguir. Caminho serpenteava de não ter como procurar estrela na mata fechada. A coisa de duas luas ele voltava com uma paca, cotia, raposa e depois levava tataravó e as crianças para descer mais com ele. Sempre assim até Marieta, pequena mais pequena das crianças, pegar bicho do pé. Era ruim que ia morrer, mas era bom que devia ter rio por perto. Daí não ia todo mundo morrer.<br /><br />Foi quando o barulho da água correndo bateu junto com barulho de flauta soprada e correram loucos mata adentro com a flauta e a água cada vez mais altas. Levou coisa de minuto para encontrarem um rio longo, plano, chato, com as água escura e a margem seca quebrada. O leito era pra mais de trinta passos e não parecia assim muito amigo de se atravessar. Coisa que perceberam que não tinha era peixe pulando, nem movimento que se visse, daí a correnteza. Do outro lado, um velho, sentado, tocando flauta.<br /><br />Aquilo animou a imaginação dos pequenos e nem Marieta parecia sentir o tropeço que esguichou sangue da corrida na mata. Ficou de planta do pé de esquerda e ponta do pé de direita, ali tosca magrela, abraçada com outro pequeno, e olharam o velho como se fosse um deus, ali, tocando a flauta. Foi quando ele parou, abriu as pálpebras recheadas de um branco vazio que nem o nada, levantou cabeça e fechou de novo os olhos. De longe o rosto ficava todo branco da gente ver só o queixo de tanto o velho jogava cabeça pra trás. Parecia sentir a gente pelo cheiro.<br /><br />O Velho puxou uma vareta de bambu enrolada de pano velho amarelo e preto por dentro da roupa, levantou e seguiu para o sul usando a bengala para marcar seus passos e apontando pro povo do outro lado do rio que seguisse também. Pra lá de duzentos passos as margens estavam coisa de vinte passos, mas aquele rio parecia enganar demais. O avô do avô de meu avô prendeu uma pedra num enganchado de dois cintos e jogou na água. A pedra foi puxada pra baixo e pra direita rápida que nem cobra d'água e arrebentou o cinto de um dos pequenos, que agora ia andar carregando a calça.<br /><br />O velho sentou do outro lado. Era onde as margens ficavam menores, lá pra frente não se encontravam mais e o velho disse que era só o oceano antes daquelas margens se encontrarem. Sentou, tirou sua flauta de dentro da roupa e tocou. Tocou e a Marieta ficou perturbada. Não fosse o pequeno das calça-arriada pegar pelo pulso, ela ia se meter na água e nadar. Todo mundo estranhou aquilo. O avô do avô de meu avô disse ao velho que parasse de tocar, que ele ia tacar uma pedra lá do lado de lá do rio na cabeça do velho, se não parasse. O velho baixou a flauta da boca e perguntou a razão. Foi daí que eles começaram a gritar de um lado e do outro do Rio. Primeiro de raiva, depois de prosa, interesse. Até que o velho tava contanto história pra toda aquela gente miúda, do outro lado.<br /><br />Contou que tudo era criação da cabeça deles, inclusive a distância das margens do Rio. Que a cabeça deles era como o rio, que o imenso do que se pode ver na superfície nunca é nada do universo que acontece por baixo. Entre o restrito da imagem de cima e o infinito da vida veloz por baixo, é que opera nossa cabeça; tateando no escuro nunca sabendo nenhum fundamento. O velho era bom de história e encantava os pequenos, tataravó e tataravô. Até altas horas que se irritou de contar história e zangou com o avô do avô de meu avô.<br /><br />- Quer ser você ou ser o Velho do Rio? O Velho do Rio sou eu. Eu sou eu das histórias, se você ouvir todas vai deixar de ser você, vai virar Velho do Rio.<br /><br />Foi quando o avô do avô de meu avô soltou a corda que amarrava Marieta na margem de cá do rio, o Velho tocou sua flauta, Marieta sangrou pela margem até o lado de uma Siriúba velha e colocou o pé no rio. Marieta andou sobre as águas até o lado de lá, que foi como o avô percebeu que tinha pedras altas no leito do rio naquele ponto. Todos correram atrás de Marieta, na frente os pequenos, que deviam ser irmãos, mas chegando do outro lado do rio não havia velho nem Marieta, só essa flauta aqui, que tava no chão.<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-2800800130630293932009-10-10T12:38:00.000-07:002009-11-03T08:38:26.687-08:00Rosas<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyFO2ywkHXFKMAwS6qBCww-liMTdR2vrkcu8jYEr-e3l4JTdg_X7N4x561oDY4dg5Hjj5oBvfPtpXAvFOAYNDeHqFaJPlOi0tGRqvhrksqHWr4dqls-qQoAJfYA-4hWLaSrUTuqxX0fe0i/s1600-h/rosas01.jpg"><img style="margin: 0pt 10px 10px 0pt; float: left; cursor: pointer; width: 268px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyFO2ywkHXFKMAwS6qBCww-liMTdR2vrkcu8jYEr-e3l4JTdg_X7N4x561oDY4dg5Hjj5oBvfPtpXAvFOAYNDeHqFaJPlOi0tGRqvhrksqHWr4dqls-qQoAJfYA-4hWLaSrUTuqxX0fe0i/s320/rosas01.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5391059605724608802" border="0" /></a><br /><br /><br /><span style="color: rgb(153, 0, 0);font-size:180%;" ><span style="font-weight: bold;">S</span></span><span style="color: rgb(153, 0, 0);">andra achava ele lindo. Seus olhos castanhos eram levemente puxados, não como orientais, mas como dos esquimós, como da Björk, quase Richard Gere. Alto, cabelos pretos lisos e com um olhar entre a indiferença entre aquela tarefa e a curiosidade sobre as reações dela. Já era a terceira vez que ele vinha à sala de Sandra entregar uma carta linda, mas dessa vez trouxe flores. Sempre de calça jeans e uma camisa social, ele se aproximou e as meninas do escritório todas fizeram piadas e gracejos, o Almeida levantou e foi ao banheiro, claramente irritado com o ibope do rapaz.</span><br /><br />Sorriu muito timidamente para Sandra e entregou-lhe as rosas colombianas, gigantes, com um cartão preso no arranjo por um clipe de papel verde de tamanho descomunal. Os olhos de Sandra passaram completamente através das rosas e se encaixaram fixos sobre aqueles olhos castanhos repuxados. Ela quase conseguiu ver um sorriso naquele olhar, mas mesmo que ele existisse, ela não veria, tal era a proximidade que estava daqueles olhos. Entre eles, as rosas colombianas.<br /><br />O rapaz deixou as rosas nas mãos de Sandra e virou-se rápido para a porta da sala. Em quatro passos já estava virando à esquerda e saindo da vista de todos, deixando a pergunta sobre o nome dele na boca entreaberta de uma Sandra que segurava o buquê com o interesse que seguraria um papel qualquer do escritório.<br /><br />Ignorando olhares e comentários, sentou-se atrás de sua mesa e ficou olhando fixa para a porta, como se aquele lindo entregador viesse aparecer a qualquer momento para trazer qualquer outra carta, flor ou bom-bom que seria prontamente ignorado. Percebeu que o buquê era enorme e que ela estava abraçada a ele, pensando nos olhos castanhos. Colocou de qualquer forma o buquê em cima da lata de lixo – era o que mais se aproximava de um vaso por ali -, tirou a carta do clipe e colocou em cima da mesa. Voltou ao trabalho com a cabeça recheadas de imagens do dia em que aquele entregador trouxesse flores dele próprio, mesmo que fosse apenas uma rosa, e das pequenas.<br /><br />Às seis horas arrastou tudo o que havia dentro da mesa para dentro da bolsa e saiu apressada para nada. Mentira, apressada para uma aula de spinning, outra de boxe e uma noite de quinta-feira com sorvete de macadâmia e filme na TV a cabo. As flores ficaram no lixo e foram pegas pelo seu Antenor, da manutenção,cuja esposa teve uma quinta-feira inesquecível.<br /><br />Em casa, depois de levar dois cruzados na aula de boxe por baixar a guarda para ver no espelho se seu cabelo estaria bonito, abriu a bolsa de cabeça para baixo em cima da cama para fazer seu ritual de troca de bolsa de trabalho para o dia seguinte.<br /><br />Entre cadernos, agenda, celular, contas e revistas de moda e comportamento viu o envelope verde claro da carta que veio junto com as flores. Respirou fundo afetando uma careta de indiferença, quase como se imaginasse que estaria mostrando ao rapaz de olhos castanhos que não dava a mínima para quem quer que fosse o tal admirador secreto, se recostou na cama com a carta na mão e o controle remoto na outra.<br /><br />Ainda faltavam cinco minutos para o filme. Abriu o envelope, que começava com uma citação:<br /><br />“São João da Cruz faz da flor a imagem das virtudes da alma e o buquê que as reúne é o símbolo da perfeição espiritual” – Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, dicionário dos símbolos.<br /><br />“A flor é idêntica ao elixir da vida e a floração é o retorno ao centro, à unidade, ao estado primordial. A rosa, particularmente, traduz a alma, o coração, o amor. Quando nos aproximamos para sentir seu aroma, delicado, aproximamos o nariz do centro da rosa e, se olharmos para ela assim, é possível contemplá-la como uma mandala perfeita e considerá-la como um centro místico. A rosa vermelha, por sua relação com o sangue derramado, converte-se na imagem de um renascimento místico.<br /><br />Quero renascer em você.<br /><br />Sei onde você trabalha, mas só isso. Quero que você me diga, quando quiser, as demais informações. Por favor, deixa seu telefone com o entregador amanhã às onze.”<br /><br />Sandra jogou a carta de lado e ficou pensando em como o Eric Bana estava lindo e gostoso como Heitor em Tróia. Por quase uma hora e meia, até desmaiar.<br /><br />Acordou atrasada e com as roupas de ontem, tomou um banho corrido e um iogurte, colocou comida para a gata, uma maçã e um cacho de uvas num saco plástico dentro da bolsa e saiu.<br /><br />Às dez e cinqüenta e cinco um marca-passo imaginário prenunciaria um ataque cardíaco em Sandra. Era a primeira vez que sabia quando o entregador viria. O dia e a hora. Onze em ponto e os olhos fixos de Sandra deixavam sua boca seca, não fosse o batom e o entregador – que ainda não tinha aparecido – veria seus lábios esbranquiçados, todo o fluxo de sangue parecia estar indo para a boca do estômago, seus dedos, imóveis sobre o teclado, pareciam não ter peso algum e também não ter força nenhuma.<br /><br />Às onze e três ele chegou, acompanhado de uma inspiração profunda que elevou os seios de Sandra e travou-lhe as costas. A língua, livre, percorreu os lábios e o interior da boca, umedecendo, receptiva. Quando deu por si o rapaz, alto, já estava de frente para a mesa de Sandra, parado, esperando.<br /><br />- É... oi. – levantou-se às pressas e tropeçou na lata de lixo, foi quando percebeu que as rosas não estavam mais lá – você está esperando um cartão ou um papel, certo?<br /><br />- Isso. – disse o rapaz, com os olhos cravados nos olhos dela.<br /><br />Sem tirar os olhos daqueles olhos incríveis do entregador, Sandra respirou e disse:<br />- Eu decidi que não posso entregar esse papel para o seu chefe.<br /><br />O rapaz deixou que seus lábios e olhos se abrissem de leve denunciando um ar de espanto, olhou para o chão por alguns milésimos de segundos, piscou e voltou a encarar Sandra quando percebeu que ela procurava o olhar dele com o dela:<br />- Não posso entregar esse papel porque estou interessada em outra pessoa. Uma pessoa que eu tenho visto bastante ultimamente e que tem me feito ignorar rosas, cartas, declarações esperando o momento de ela atravessar aquela porta ali, dia sim, dia não, com alguma carta linda, mas que não me move a nada, porque tem um cara muito mais interessante, que traz essas cartas.<br /><br />O entregador, com uma expressão indecifrável, como se buscasse algo na memória, diz:<br />- Bem, meu... patrão disse que esperava que seus gestos de carinho e afeto pudessem ser valorizados com uma chance, um passo, um movimento, um telefone.<br /><br />Um sorriso complacente, como o que damos a crianças, passou pelo rosto de Sandra, enquanto sua cabeça negava o pedido e seus olhos permaneciam fixos nos do entregador.<br /><br />Ele mordeu os lábios, expirou rapidamente como se perdesse todo o ar até então rígido e sério com que se portava e assumisse repentinamente uma expressão corporal e facial de quem pode facilmente dominar o ambiente e diz:<br />- Quer dizer que nenhuma das ações dele, nenhum gesto de carinho, interesse, dedicação serviram de nada? Não importam suas ações?<br /><br />Ela mordeu os lábios achando toda aquela mudança de postura muito, mas muito sexy mesmo. Estava se derretendo na frente de seus colegas de trabalho.<br /><br />- Não.<br /><br />- Que pena... Quando sentei do seu lado no restaurante aqui da esquina, a duas semanas, e ouvi você conversando pelo telefone com sua mãe, acreditei realmente que você fosse valorizar determinados atos. Você disse a ela: “Não mãe, não existe esse tal cara que entrega flores, que escreve bonito, é carinhoso e sensível. Se existir é gay, tá casado ou não vai querer nada comigo.”. Te achei uma mulher linda, mas além disso, principalmente, uma mulher que fosse valorizar os atos de um cara carinhoso e sensível.<br /><br />A boca aberta entre o espanto e um esboço raso de sorriso de Sandra gaguejou sons indistintos enquanto a mão do “entregador” pegava na dela e ele sorria.<br />Ela olhou pro chão, piscou os olhos e olhou para ele pela primeira vez como um homem. Apertou suas mãos nas dele.<br />- Desculpe.<br /><br />Ele sorriu e piscou o olho esquerdo.<br />- Que isso não se repita!<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-35823656082290593072009-10-09T18:41:00.000-07:002009-11-03T08:40:14.390-08:00Quatro Ossos<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlfsgTB6VyOSeDbKgUNwb_QvpKj5Q-wzse6n63Zdkf9_dpBDyIKGNsOt9SsiVFQu3KzfWX9kjTYCDPxOOgGchfJQfPvMVwiUc7k9ZbknAUEERuMrbwa4RKEOy7-9QkH3RkOdabSJzXeNX7/s1600-h/quatro+ossos.jpg"><img style="margin: 0pt 0pt 10px 10px; float: right; cursor: pointer; width: 136px; height: 170px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlfsgTB6VyOSeDbKgUNwb_QvpKj5Q-wzse6n63Zdkf9_dpBDyIKGNsOt9SsiVFQu3KzfWX9kjTYCDPxOOgGchfJQfPvMVwiUc7k9ZbknAUEERuMrbwa4RKEOy7-9QkH3RkOdabSJzXeNX7/s320/quatro+ossos.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5390782115047257954" border="0" /></a>
<br /><meta equiv="Content-Type" content="text/html; charset=utf-8"><meta name="ProgId" content="Word.Document"><meta name="Generator" content="Microsoft Word 12"><meta name="Originator" content="Microsoft Word 12"><link rel="File-List" href="file:///C:%5CDOCUME%7E1%5Cx%5CCONFIG%7E1%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_filelist.xml"><link rel="themeData" href="file:///C:%5CDOCUME%7E1%5Cx%5CCONFIG%7E1%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_themedata.thmx"><link rel="colorSchemeMapping" href="file:///C:%5CDOCUME%7E1%5Cx%5CCONFIG%7E1%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_colorschememapping.xml"><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:donotpromoteqf/> 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<br /></p><p style="color: rgb(51, 0, 0);" class="MsoNormal"><span style="font-size:180%;"><span style="font-weight: bold;">À</span></span>s onze horas os pés de Durval escorregavam meias sociais negras pela sala. A porta do quarto ficou entreaberta, o som da fechadura poderia acordar Ana Luísa. Pensou em sentar e escrever um bilhete, mas a cadeira pesada, o chão de taco, melhor não. Pegou um papel amarelo de uma caixinha ao lado do telefone e rabiscou com pressa sobre a mesa de vidro. Grudou na geladeira com um ímã-foto do batizado do sobrinho que agora já tinha seis anos.</p> <p class="MsoNormal">Pegou as chaves do carro, colocou um tênis velho e desceu pela entrada de serviço. Encontrou Neuza, a diarista octogenária que trabalhou para seus pais e agora era babá de Ricardinho, seu pequeno de dois anos.</p> <p class="MsoNormal">- E aí, Neuza? Pegou a galinha?</p> <p class="MsoNormal">Neuza abriu a mochila da “nyke” comprada na Central do Brasil, remexeu um saco preto e, antes que abrisse, Durval já ouvia claro os cacarejares da ave.</p> <p class="MsoNormal">-Não abre não, Neuza. Deixa. Lá a gente vê como vai fazer com isso.</p> <p class="MsoNormal">Seguiram pela saída de serviço e Clodoaldo, porteiro da noite, estranhou ter que abrir a porta para “seu” Durval de boné, tênis e camisa de malha saindo de noite com Neuza. </p> <p class="MsoNormal">Desceram a ladeira da rua, pegaram um táxi até Caxias. Depois de três instruções de Neuza – passando por uma área de mato alto onde a luz da cidade vazava longe e as estrelas perdiam a timidez metropolitana – chegaram a um muro cinza, chapiscado de cimento e encimado por cacos de vidro verde escuros. O portão era um só, para carros, e passava por cima de um trilho que corria da direita para a esquerda. Durval pagou a corrida, pediu que o taxista esperasse e saiu com a mochila de Neuza na mão.</p> <p class="MsoNormal">Ao aproximar-se do portão, ouviu o som metálico de uma grossa corrente de ferro sendo remexida até cair elo a elo no chão. O portão deslizou suave. Quase nenhum barulho. Lá dentro sorria uma senhora cercada de dois cachorros de grande porte, um branco, um preto. </p> <p class="MsoNormal">Durval deu um passo para dentro do terreno, passando o pé pela linha divisória por onde correu o portão. O cachorro branco chegou mais perto, olhou fixo para a mochila nas mãos de Durval e rosnou. </p> <p class="MsoNormal">- Calma, Apolo! – Disse a senhora. A voz era a mesma que havia conversado com Durval no início daquela semana, no telefone, mas o tom, severo, seguro, era bem diferente.</p> <p class="MsoNormal">O cão parou, como uma estátua, olhando fixamente para a mochila e, coisa de segundos que para o amedrontado Durval pareceram anos, sentou na grama baixa. Os olhos de Durval procuraram afoitos aos da pequena idosa que havia parado quase magicamente aquele cão enorme. Procurava o consentimento para entrar. Ela assentiu com os olhos e um sorriso nebuloso.</p> <p class="MsoNormal">- Boa noite, senhor Durval! Vejo que trouxe o que lhe pedi. Se Apolo teve essa reação a galinha é bem gorducha e nova, certo?</p> <p class="MsoNormal">- Na verdade não sei. Neuza foi quem me trouxe ela. – Disse o nome e lembrou-se de olhar em volta para procurar sua velha empregada, quase como uma segunda mãe. Encontrou Neuza recostada no muro da casa, do lado de dentro, sentada sobre um banquinho de madeira. Olhava fixamente para o cachorro preto, que não havia se mexido e, não fosse a cor viva de seus olhos, Durval pensaria que era uma estátua de mau gosto ao lado da velha.</p> <p class="MsoNormal">- Neuza, pode vir.</p> <p class="MsoNormal">- Aqui tá bom “Dudu”. Tô te vendo.</p> <p class="MsoNormal">Durval virou-se para frente e estranhou que, sem ouvir nenhum som na grama, a senhora já estava de frente para ele – coisa de uns sete passos de onde estava antes – e o cachorro preto estava, de novo, ao lado da senhora, sentado. O único que permanecia parado, onde estava antes, era Apolo, o cachorro branco.</p> <p class="MsoNormal">- Bem, o que eu devo fazer agora?</p> <p class="MsoNormal">- Primeiro o senhor se acalme. As batidas do seu coração eu posso ouvir, imagine os cachorros. O senhor está segurando essa mochila com as duas mãos, em frente ao joelhos... por que não aproveita a posição e coloca sua mão direita pra sentir a pulsação do punho esquerdo? Conte vinte pulsações. Os cães ficarão onde e como estão. </p> <p class="MsoNormal">Durval sentiu seu punho gelado e levou um tempo para encontrar o pulso. Foi contando então até vinte. Antes que pudesse finalizar a contagem a senhora virou de costas e fez sinal que a acompanhasse:</p> <p class="MsoNormal">- Já está bem melhor meu filho. Apolo, junto.</p> <p class="MsoNormal">Seguiram dando a volta por trás da casa e Durval podia sentir os olhos de Neuza se perdendo da imagem dele. Um arrepio percorreu-lhe a espinha, mas seguiu cada vez mais confiante pelo menos de que os cachorros eram muito bem treinados e bem obedientes. Afinal, ele era o estranho naquele ambiente e era natural que o cachorro ficasse nervoso.</p> <p class="MsoNormal">Atrás da casa de madeira da senhora havia uma pequena elevação, uma espécie de morrinho ladeado por uma parede quase vertical de terra e pedra. A senhora levou Durval até essa parede e o fez virar de costas para ela, de frente para a casa. Durval se assustou com a proximidade que os dois cães estavam dele. A um salto estariam em cima dele. A distância que a senhora estava dos cães era a que os cães estavam das coxas e cintura de Durval.</p> <p class="MsoNormal">Olhando rapidamente através daquelas duas manchas, negra e branca, divisou os olhos da velha.</p> <p class="MsoNormal">- E agora?</p> <p class="MsoNormal">- Agora você precisa que essa galinha morra, porque você vai precisar de quatro ossos dela daqui a pouco. Mas se você tirar uma vida vou ter que limpar tua aura ruim e isso leva dias. Acho que o senhor não quer voltar aqui amanhã e depois...</p> <p class="MsoNormal">- E o que eu faço?</p> <p class="MsoNormal">- Você pensa.</p> <p class="MsoNormal">Durval abriu a mochila instintivamente. Mesmo sem saber ainda o que aconteceria, o que deveria fazer. A galinha era marrom, parecia nova e era mesmo bem gorducha. Se mexeu demais enquanto Durval abria o saco preto dentro da mochila e, sem querer, Durval pegou ela pelo pescoço. A fragilidade daquele pescoço, ainda mais com aquele bicho barulhento se debatendo e soltando penas, fez com que Durval se lembrasse: Eu não quero vir aqui de novo.</p> <p class="MsoNormal">Foi quando através da bruma desfocada do seu ângulo de visão, ele percebeu a ausência das manchas negra e branca. Olhou rapidamente para frente e para os lados. Apolo à sua direita, o cão preto à sua esquerda. Os dois rosnavam e se aproximavam da linha da cintura de um Durval agora desesperado.</p> <p class="MsoNormal">Não se sabe se foi sorte, o pensamento rápido de Durval, a galinha se debatendo ou o quê, o fato é que a galinha soltou-se e se destrambelhou pelo chão à frente de um Durval atônito e ansioso. Em menos de cinco minutos os cães haviam limpado a carne dos ossos da galinha. Durval ainda não sabia se havia “matado” ou não. Olhou para a senhora, que, por algum motivo, parecia estar achando muita graça naquilo tudo e, sem pestanejar, esticou o fino indicador em direção ao meio dos dois cachorros e, no entender de Durval, despejou uma gota de veneno:</p> <p class="MsoNormal">- Você precisa dos ossos. Quatro.</p> <p class="MsoNormal">Durval olhou para os cães. Entretidos com a carne. Os ossos pareciam ter sido deixados de lado. Se aproximou lentamente por perto do cachorro preto – ele ficava mais quieto que o cão branco, o tempo todo – se agachou ao lado do cachorro e mirou a mão num pedaço de costela quebrada que estava ao lado da pata esquerda do animal. Com grande agilidade Durval pegou o osso, na verdade dois ossos vieram juntos e, no momento em que voltava seu cotovelo para trás, retraindo o braço, a mandíbula do cão negro se agigantou por sobre o antebraço de Durval e, não fosse a intervenção – a estranhíssima intervenção – de Apolo, provavelmente a noite de Durval terminaria numa anti-rábica num hospital público mais próximo. O mais estranho de tudo: o salto de Apolo para cima do cão preto jogou dois ossinhos em cima do pé direito de Durval.</p> <p class="MsoNormal">A mão leve e magra da senhora tocou o ombro esquerdo de um Durval ainda atônito.</p> <p class="MsoNormal">- Alguém está com sorte hoje. Vamos?</p> <p class="MsoNormal">Pegou os dois ossinhos ao lado de seu pé direito e seguiu a velha por alguns passos em direção ao muro que prenunciava o pequeno morro atrás da propriedade. Só uma vez olhou para trás e a cabeça de Apolo estava levantada, olhos fixos nele. </p> <p class="MsoNormal">Ao aproximarem-se do muro de pedras, a senhora pediu-lhe que retirasse uma das pedras. Indicou qual. Não era grande, nem diferente das demais. Durval encaixou o pé na pedra, prendeu o quadríceps como apoio e usou os músculos das costas para puxar... e com que facilidade ela veio!</p> <p class="MsoNormal">Uma fenda negra se abriu, uma fenda vertical e profunda. A boca da senhora estava perto demais da orelha esquerda de Durval quando ele ouviu: </p> <p class="MsoNormal">- Uma batida, sim, duas, não, três, talvez. Use os ossos. Uma pergunta por vez. Juntando as perguntas, você junta as respostas e pode não fazer sentido. Vou ver os cachorros.</p> <p class="MsoNormal">Se aproximou da fenda, ladeada por gramíneas e arbustos, enquanto enfiava bem no fundo do bolso da calça os quatro ossos. Avançou a direita e tocou na lateral, molhada de orvalho, enquanto uma brisa quente e leve chegava por dentro da fenda.</p> <p class="MsoNormal">Sem tirar a mão direita da fenda, separou com os dedos da esquerda um dos ossos no bolso, levantou e tentou entrever o fundo daquela reentrância na pedra. Nada. Escuro total.</p> <p class="MsoNormal">Respirou fundo e se compenetrou na pergunta:</p> <p class="MsoNormal">- Aqueles telefonemas noturnos, depois da viagem de trabalho de Luisa a Fortaleza, eram de algum homem?</p> <p class="MsoNormal">Jogou o osso com força, quase com raiva de si mesmo por chegar até ali, por não conseguir confiar plenamente na esposa. Por achar tanto que ela mentia que amaldiçoava o ar que saía de sua graganta.</p> <p class="MsoNormal">- Tic, tlak, tec, tik.</p> <p class="MsoNormal">Quatro vezes. O que são quatro batidas? “Sim, não, talvez... sim de novo?”</p> <p class="MsoNormal">Respirou fundo e pensou na outra pergunta.</p> <p class="MsoNormal">- Ela ainda me ama?</p> <p class="MsoNormal">Jogou o ossinho com menos força e mordeu os lábios e encolheu os dedos dos pés dentro do tênis enquanto ouvia as batidas do ossinho dentro da fenda.</p> <p class="MsoNormal">- Tlac, pec, tik.</p> <p class="MsoNormal">Talvez? Que merda de resposta era “talvez” para uma pergunta dessas? Pra Durval ou ama ou não ama. Por algum tempo tudo ali parecia ridiculamente infantil e sem sentido e ele pareceu a si mesmo uma criança grande de short, meia social e tênis jogando ossos de galinha num buraco no muro no meio do nada. Pressionou as laterais da boca uma contra a outra como quando não queria dar atenção a alguma infantilidade de algum colega no trabalho, ou quando algum sobrinho lhe falava sobre desenhos animados etc. Se sentiu ridículo ali... “talvez”? Lembrou do táxi esperando do lado de fora.</p> <p class="MsoNormal">Quando deu por si, sua mão já estava dentro do bolso, acariciando suas duas outras respostas. Tirou o terceiro osso do bolso. Pergunta direta, sem rodeios.</p> <p class="MsoNormal">- Ela está me traindo?</p> <p class="MsoNormal">Respirou fundo e jogou o osso, prendendo a respiração num aspirar profundo e congelado que estufou-lhe o peito como se criasse uma barreira à notícia.</p> <p class="MsoNormal">- tlec, plac, tik... tik... </p> <p class="MsoNormal">Quatro batidas? “Sim? Eu vou matar aquela filha da puta!” Durval andava em círculos, repentinamente enérgico e cheio de si, socou o muro de pedras e talvez tivesse quebrado o pulso, mas não sentia nada além de ódio e o mundo girando. Agachou na grama e de seus olhos vermelhos descia a lágrima quente enquanto ele esmurrava o chão rangendo os dentes. Olhou para trás na esperança de encontrar o cachorro preto e aceitar seu desafio. Queria matar alguma coisa, precisava sentir sangue nas mãos. </p> <p class="MsoNormal">“Alergia a camarão! Aquela vadia tem alergia a camarão! Eu vou mandar a Neuza fazer um bolo de batata batido com um quilo de camarão e rechear com sardinha, ela come e eu espero quarenta minutos pra chamar a emergência. Vou ver a piranha agonizando! Em vinte ela pára de respirar. Melhor: vou me descabelar, pegar ela no colo e descer o elevador gritando, só não posso chamar a ambulância. Tenho que meter ela no carro e ficar dando volta até o hospital.”</p> <p class="MsoNormal">Não ocorreu a Durval pensar em como a alergia a camarão e a idéia do bolo de batata haviam aparecido tão subitamente, como uma solução mágica, para um problema tão grave. Como se determinadas idéias, com requintes e detalhes, se formassem assim, do nada.</p> <p class="MsoNormal">“Importante é servir ela quando o Ricardinho estiver na casa da Gabriela... meu Deus, o Ricardinho! Eu não posso tirar a mãe do meu filho! Mulher infeliz, filha-da-puta desgraçada!” </p> <p class="MsoNormal">Mordeu as paredes internas da boca até sentir o gosto ferruginoso do sangue. Ajoelhado, arrastou a cara na grama negando com a cabeça. Socou, com sua mão direita o solo e jogou as costas para trás com o impacto do soco. A mão esquerda, ainda com o último do ossinhos da galinha, abriu o braço para trás, dando um soco no vazio: “Que ela morra!!!”. O ossinho se desprendeu da mão de Durval e voou em direção à fenda...</p> <p class="MsoNormal">...tik.</p> <p class="MsoNormal">Latidos. Fortes latidos no portão da casa. Barulho de mulheres gritando... Luísa!</p> <p class="MsoNormal">Correu para circundar a casa de madeira quando viu Apolo vindo em sua direção. Ele latiu. Barrou seu caminho. Mas diante da fúria de Durval, que não desacelerou nada frente ao enorme cão branco, Apolo simplesmente baixou o focinho e fechou os olhos.</p> <p class="MsoNormal">Na frente da casa Durval passou correndo por Neuza, que gagejava aos prantos, apontando para o portão do terreno:</p> <p class="MsoNormal">- Do-dona Lu-Luísa veio a-atrás da da gente! ... o ca...chorro preto!</p> <p class="MsoNormal">Durval seguiu em direção ao portão, desacelerou o passo. Uma trilha vinho de sangue seguia até atrás do poste de luz mais próximo do muro. Ao acostumar-se à escuridão por trás do facho de luz do poste, ajoelhou, riu e chorou. “Na goela, desgraçada, na goela.” Viu que o cão negro tinha tetas, e terminava de mastigar a jugular de Luísa.</p> <p class="MsoNormal">Conto e Receita: Renato Kress</p> Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-59243512764310609732009-10-08T11:03:00.000-07:002009-10-08T11:29:30.422-07:00Hannah<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIbo4OWxX6qJyPetX7C0GIRJKArfPDgtPWFPamolBaa7hMgEy-a8TpCb0Mu6cCu2EahhEcQToNScIgSJ3kKEyQv0kAHYRJojdoHTVONZsNHoLXlZjCfWbJttVijAolJON1ZxewD30eYlEM/s1600-h/hannah02.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5390297676989495362" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 118px; CURSOR: hand; HEIGHT: 89px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIbo4OWxX6qJyPetX7C0GIRJKArfPDgtPWFPamolBaa7hMgEy-a8TpCb0Mu6cCu2EahhEcQToNScIgSJ3kKEyQv0kAHYRJojdoHTVONZsNHoLXlZjCfWbJttVijAolJON1ZxewD30eYlEM/s320/hannah02.jpg" border="0" /></a><br /><br /><br />- Oi!<br />- … oi.<br /><br />Atravessaram a faixa em botafogo e seguiram em direção a uma rua entre a Cobal e a Real Grandeza. Ele mergulhava o queixo no peito, mordia os lábios, apreensivo. Ela olhava os prédios ao redor, parecia pensar por imagens que se formavam à sua frente. Na outra calçada deu um soco no ombro dele.<br /><br />- Muito doido isso, não acha?<br />- Muito...<br />- Cara, você é muito maluco. Me cutuca no Orkut, me faz ir atrás de fotos de vinte anos atrás pra lembrar de você, fica semanas conversando comigo marcando de gente vir aqui até a curiosidade juntar com a falta de saco de dizer “não” de novo, aí eu venho e você fica paradão, viajando.<br /><br />Olhou para ela com carinho, mas com um olhar confuso, como se não reconhecesse ali, a coisa de trinta centímetros de seu rosto, Hannah, sua namoradinha de jardim de infância.<br /><br />- Você sempre teve olhos verdes?<br />- Não, mandei pintar antes de vir - É veludo acetinado semi-brilho! – claro que eu sempre tive olhos verdes, doido.<br />- Não. Pra mim você tinha olhos castanhos e cabelos pretos... e o penteado da Lois Lane, mas cabelo a gente muda e até ficou melhor assim, mas cor dos olhos... sempre foi castanho, e escuro, pra mim.<br />- Volta lá no teu HD e passa o Photoshop então...<br /><br />Deram mais alguns passos para dentro daquela perpendicular entre a São Clemente e a Voluntários. Ele olhava para os pés dela. Ela para os olhos dele.<br /><br />- Quer dizer que meus cabelos ficam melhores mais longos, mas meus olhos ficariam melhores castanhos?<br />- Não é isso. É que na minha cabeça você era uma Penélope Cruz, ou uma Catherine Zeta-Jones, não Liv Tyler. Faz parte da imagem.<br />- Uhu! Liv Tyler, tô bem hein! Boa cultura hollywoodiana, doido. Por isso eu não queria te encontrar. Não íamos nos conhecer, quer dizer, eu ia, ou eu vou. Já nem sei. Mas você quer resgatar uma imagem de Hannah que não existe. Talvez nunca tenha existido.<br /><br />Parou. Segurou pelo braço o rapaz e olhou firme em seus olhos. Ainda havia alguma sorte de repugnância no olhar dele. Repugnância não porque achasse os olhos verdes feios, simplesmente eles estavam errados. Talvez não tivessem consciência de seu erro e por isso insistissem nele. Fechou e abriu lentamente os olhos, disposto a vê-los assumir a cor da infância, a cor da memória, ou aceitar o que viesse: ...verdes!<br /><br />- Cara, relaxa, eu saí com você, não saí? Não estamos indo passar onde era a nossa escolinha? Pelo menos admito que você me intriga, que fico curiosa, que adorava como gargalhava das tuas bobagens na internet, que algum interesse tá acontecendo aqui. Meus olhos são verdes e eu não posso competir com uma imagem. É surreal... e injusto.<br />- Desculpa. Foi... tá sendo... estranho. Você tem razão, é que algo do teu charme tava na aura da beleza pela atmosfera que te envolve, mais que na beleza bruta.<br />- Minha beleza é bruta?<br />- Duas pedras nos teus olhos.<br />Franziu a testa de uma forma que duas mechas castanho escuras lhe caíram pela face, enquanto contraía os lábios:<br />- Pedras?<br />- Esmeraldas.<br />As laterais de seus lábios se elevaram carinhosamente enquanto a área entre suas sobrancelhas se alisava e a cabeça pendia levemente para a esquerda:<br />- Elogio grosseiro mais bonitinho que já recebi.<br />- Desculpa.<br />- Nem tem do quê. Continue assim e estaremos bem. Vamos sentar ali? Naquele café?<br />- Mas o Colégio é bem ali, na outra curva.<br /><br />Enquanto entrava no café e puxava uma cadeira, disse, de costas:<br />- Planeja morrer hoje?<br />Ele sequer puxou a cadeira que já havia alcançado, à frente dela. Pousou a mão sobre o encosto de madeira e olhou atônito enquanto ela sinalizava que sentasse.<br />- Como é?<br />Hannah respirou fundo e desceu os olhos dos dele até o cardápio lentamente enquanto ia falando:<br />- Planeja morrer hoje? Tem planos de deixar esse mundo material nas próximas horas? Pretende resgatar algum sonho de pureza transcendental, infantil e assexuado num relacionamento doentio com uma pessoa que provavelmente você preferiria não conhecer porque ela não tem mais 6 anos de idade e seus olhos não-castanhos e sua altura de mais de um metro e meio poderiam te assustar? Então: você não vai resgatar isso, essa imagem, essa criança. Nem a sua nem a da Hannah. E se você pretendesse que o resgate que você está procurando fosse dar algum sentido para a sua vida... e sabendo agora – porque eu estou te falando – que ele não vai acontecer, porque diante de você existe outra Hannah como diante de mim existe um outro cara que não meu namoradinho de seis anos de idade, isso podia mudar a direção de tudo. Talvez tudo perdesse o sentido. Você não vai resgatar a “Hanninha” depois daquela esquina, daqui a meia hora. Agora que já ficou bem claro: você planeja morrer hoje por causa disso? – disse quase sem expressão enquanto lia o cardápio.<br />- Não...<br />- Então podemos ir lá daqui a meia hora. Gosta de cappuccino?<br /><br />Conto e Receita: Renato KressRenato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-50283338954301446232009-09-26T19:38:00.000-07:002009-11-03T10:44:37.481-08:00Alba<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmxLCoyJ2QCe-zLuGmqde1clz6_qfg08yZJYeFPjusiRqwLGEIyhv07Dy5fmaCFz-4yA6Y2fL1gGD4gamqeQXIQt87-_yP5vdZMHCZUBrnRS_hnr1uGswQHEnLgAhIvQzPWirJuvw07yCw/s1600-h/alba.JPG"><img style="cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmxLCoyJ2QCe-zLuGmqde1clz6_qfg08yZJYeFPjusiRqwLGEIyhv07Dy5fmaCFz-4yA6Y2fL1gGD4gamqeQXIQt87-_yP5vdZMHCZUBrnRS_hnr1uGswQHEnLgAhIvQzPWirJuvw07yCw/s320/alba.JPG" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5385973448477912690" border="0" /></a>
<br /><meta equiv="Content-Type" content="text/html; charset=utf-8"><meta name="ProgId" content="Word.Document"><meta name="Generator" content="Microsoft Word 11"><meta name="Originator" content="Microsoft Word 11"><link rel="File-List" href="file:///C:%5CDOCUME%7E1%5CGustavo%5CCONFIG%7E1%5CTemp%5Cmsohtml1%5C01%5Cclip_filelist.xml"><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> </w:Compatibility> </w:WordDocument> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:latentstyles deflockedstate="false" latentstylecount="156"> </w:LatentStyles> </xml><![endif]--><style> <!-- /* Font Definitions */ @font-face {font-family:Calibri; mso-font-alt:"Century Gothic"; mso-font-charset:0; mso-generic-font-family:swiss; mso-font-pitch:variable; mso-font-signature:-1610611985 1073750139 0 0 159 0;} /* Style Definitions */ p.MsoNormal, li.MsoNormal, div.MsoNormal {mso-style-parent:""; margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:10.0pt; margin-left:0cm; line-height:115%; mso-pagination:widow-orphan; font-size:11.0pt; font-family:Calibri; mso-fareast-font-family:"Times New Roman"; mso-bidi-font-family:"Times New Roman";} @page Section1 {size:595.3pt 841.9pt; margin:70.85pt 3.0cm 70.85pt 3.0cm; mso-header-margin:35.4pt; mso-footer-margin:35.4pt; mso-paper-source:0;} div.Section1 {page:Section1;} --> </style><!--[if gte mso 10]> <style> /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ansi-language:#0400; mso-fareast-language:#0400; mso-bidi-language:#0400;} </style> <![endif]--> <p class="MsoNormal">
<br /></p><p style="color: rgb(255, 102, 0);" class="MsoNormal"><span style="font-size:180%;">A</span> manhã foi acordada pela silhueta de Daniela recostada sobre a porta da varanda e as cortinas brancas daquele apartamento encaixotado. Livros, cadeiras, móveis, estantes, cd’s, suas imagens se perdiam numa espécie fria de pedreira seca de grandes e pequenas pedras quadradas enroladas com fita isolante. No corredor nenhuma foto. Pregos órfãos silenciavam sobre as memórias que sustentavam a alguns dias. A aurora, rosada, parecia envergonhar-se daquele momento, de ser o prenúncio do fim daquela noite.</p><p class="MsoNormal">
<br /></p> <p class="MsoNormal">Olhava fixamente para Alexandre, deitado de costas. As costas nuas, as mãos por baixo do travesseiro, os lençóis mal cobriam suas coxas. Tentava contar as milhares de pintas daquelas costas, aquela pequena constelação daquele pequeno universo íntimo. A aurora, subindo por sobre o horizonte, roseou as paredes brancas como nunca. Nunca estiveram tão nuas, tão entregues. Daniela sorriu. Alexandre esticou o braço para o lado, não achou Daniela, levantou a cabeça.</p><p class="MsoNormal">
<br /></p> <p class="MsoNormal">- Esse seu perfume, qual é?
<br />O rosa do universo, os olhos apertados e a franja sobre o rosto dele davam um aspecto engraçado ao rosto inchado de sono.
<br />- Quê?
<br />- Que perfume é esse, lindo?</p><p class="MsoNormal">
<br /></p> <p class="MsoNormal">Levou o pulso ao nariz e inspirou profundamente.
<br />- XS, amor. Da Paco Rabanne. Não gosta?
<br />- Amo. Vou comprar. Pra lembrar de você. Tô com ele no meu corpo todo.
<br />- Vem aqui bonita...</p><p class="MsoNormal">
<br /></p> <p class="MsoNormal">Fizeram amor até a aurora morrer nos braços loiros do sol, antes acariciando, beijando, mordiscando, depois mordendo, pressionando, cravando, então gemendo, suando e urrando. Nasceram com o dia. Sentaram no chão da pequena varanda, sem móveis. Alexandre com as costas sobre a parede, Daniela sobre o peito de Alexandre, silêncio de minutos.
<br /></p><p class="MsoNormal">
<br /></p> <p class="MsoNormal">Duas horas depois saíam. Alexandre recebia o pessoal da mudança, Daniela pegava um táxi. Alexandre para Tubarão, Santa Catarina. Daniela chegou meia hora atrasada para o chek-in. Um ano na Austrália.</p> <p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">Conto e Receita: <span class="Apple-style-span" style="color: rgb(153, 153, 0); font-weight: bold;font-family:'Times New Roman';font-size:180%;" >®Ҝ</span></p> Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-35793940020634865262009-07-01T15:29:00.001-07:002009-11-03T10:45:45.252-08:00Espelhos<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtZueguokZhWM6HtPQpKe5vAeyPpP6AFwzIF2OcpPw6mr_mwdohlBPAX0j90zP5FGnFC2rZ0KYNAmRXMBK4wjGTQ96ROlWv8-SXx1eM8s1HL_1XgkhQzX3ZRfap72lt-opNVhYVOEN4gDL/s1600-h/espelho.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtZueguokZhWM6HtPQpKe5vAeyPpP6AFwzIF2OcpPw6mr_mwdohlBPAX0j90zP5FGnFC2rZ0KYNAmRXMBK4wjGTQ96ROlWv8-SXx1eM8s1HL_1XgkhQzX3ZRfap72lt-opNVhYVOEN4gDL/s320/espelho.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5380941081020691202" border="0" /></a><br /><br /><span style="color: rgb(51, 51, 255);font-size:180%;" >P</span><span style="color: rgb(51, 51, 255);">edro viu Rafael arrastando o espelho da porta do armário para cima. Rafael andava meio estranho de noite, inquieto, calado. Havia comprado um binóculo há duas semanas e ficava, no escuro, observando uma vizinha do outro lado da rua que havia comprado uma esteira e corria, todas as noites, às nove horas, perto da janela.</span><br /><br />Pedro via Rafael na varanda, deitado na rede, de binóculo, ou no quarto ajoelhado por trás das cortinas. Pensava que a vizinha iria aposentar a tal esteira: "Ninguém compra isso e realmente usa por muito tempo, já já vira cabide." Bem, Rafael estava arrastando o espelho da porta do armário para cima. Pedro não resistiu: "Quer ajuda seu maluco?", "Se você quiser me ajudar"...<br /><br />Puseram aquele espelho de pouco mais de um metro e meio de altura em pé, fora da porta. Sequer era pesado, o trabalho ficava por conta da fragilidade mesmo do objeto. Pedro desceu para jantar na rua, dia de feijoada na Adega do Juca.<br /><br />Rafael abriu as cortinas, acendeu a luz - coisas que não fazia, no quarto, há algum tempo - observou nitidamente a janela da vizinha. Ela ainda não estava lá. Olhando fixamente numa linha reta imaginária entre a janela dele e a janela dela, marcou com um giz, no chão, um espaço. Havia um espelho, ao lado da esteira dela, do lado de fora da porta do armário. Correu para o outro quarto. Pegou o espelho com cuidado, trouxe desviando dos batentes das portas, aquela fina liga metálica envidraçada e colocou na parede. Não ficaria reto. Cairia para a frente. Colocou inclinado, mas, com receio do espelho deslizar para frente, tirou os tênis e deixou no chão, em frente a ele.<br /><br />Às cinco para as nove ela chegou, tirou a blusa, ficou de top e calça de ginástica e começou a andar na esteira, Rafael só via seu lado esquerdo. As luzes todas acesas, Rafael virou para trás e viu o reflexo andarilho da vizinha e seus longos cabelos negros. Aproximou-se, de lado, nunca em linha reta - não poderia tapar o reflexo dela - do espelho e, beijou-o, acariciou com o dedo mindinho o reflexo diminuto dos cabelos dela. E voltou para a janela, e correu para o espelho. Perdeu-se naquele enamorar até que decidiu ir além. Aquilo tudo era ridículo demais e o fato de seu irmão parecer se divertir com a situação já estava dando nos nervos. Olhando para ela, através do espelho, foi tirando seus joelhos do chão lentamente, apoiando-se nos calcanhares. Foi quando a vizinha olhou - não havia dúvidas, ela olhou - nitidamente para dentro dos olhos de Rafael através do reflexo, daquele ridiculamente pequeno reflexo, Pedro abriu a porta do quarto de sopetão dizendo que nunca mais descia pra feijoada por um motivo idiota qualquer, Rafael, sobre os calcanhares, se desequilibrou, abriu os braços, caiu para frente.<br /><br />---*---<br /><br />Quer dizer que a senhorita não sabe como a cabeça do seu vizinho veio parar no seu quarto? E o senhor também não entendeu como encontrou seu irmão decapitado no chão do quarto em cima de um espelho quebrado? Então os senhores por favor me acompanhem que vamo ter que conversar isso lá na DP.<br /><br />Receita e Conto: <span class="Apple-style-span" style="color: rgb(153, 153, 0); font-weight: bold;font-family:'Times New Roman';font-size:180%;" >®Ҝ</span>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-72196940151174657062009-06-27T12:15:00.000-07:002009-08-19T21:54:51.594-07:00Cadáver de Escritor<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPYkfY1cm5Kzq6OxqtmpseSKfXbT7vs0qMlgCwblXXw3o-43kydG0LfHrRRBSNm1ADK-dFH4Zzhlks4mFOP2LYYJ6W14Z70KTrbyfBDALNGxtiBNTcgyxKLgJB-FhyUFf5a_MCEqs8ncYc/s1600-h/escritor.jpg"><img style="margin: 0pt 0pt 10px 10px; float: right; cursor: pointer; width: 309px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPYkfY1cm5Kzq6OxqtmpseSKfXbT7vs0qMlgCwblXXw3o-43kydG0LfHrRRBSNm1ADK-dFH4Zzhlks4mFOP2LYYJ6W14Z70KTrbyfBDALNGxtiBNTcgyxKLgJB-FhyUFf5a_MCEqs8ncYc/s320/escritor.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5371903793876318306" border="0" /></a><br /><span style="font-family:Arial,Helvetica;"><span style="font-size:-1;">Nenhuma crise. Nenhum remorso. Olhos adiante. Nada houve sobre seus livros numa sala defensiva armada no último cômodo da casa. Nada de importante. Ele lápide levitava sua enorme culpa tal qual distendia sobre o peito verborragias copiadas de Shakespeare, nenhum incômodo. Talvez torturasse as palavras forçando vômitos e outras guturalidades entre a folha e a caneta, o que gerava uma certa diarréia literária sem utilidade, fugacidades em livre associação, tentativas broxantes de uma orgásmica rima perfeita naquele poema sem estrutura. A descoberta o transfigurara. Sexo não escreve bem. O orgasmo resultou inútil, o Frontal resultou inútil, chá de camomila, banho quente, punhetas atrás de punhetas e a mente inerte, inútil. Punhetadas literárias, punhetadas Socráticas, punhetadas Kafkianas, punhetadas com Vinícius, nada. Sequer teve coragem de abrir Drummond. Sim, quisera se embebedar, mas não, é Drummond. Respeito. Ainda havia um mínimo de decência sobre o cadáver, adiado, sequer procriava, sequer homem, sequer banalidades, sequer poesia. Movimentos rítmicos sobre a folha, chamex, papiro, pensamentosdesordenadoslongoscurtosbaixosaltos megalomania, complexo de inferioridade. Pensava em definir liberdade num início de conto, ou poesia, ou crítica, jornal, livro, revista. Cecília! Me embebedo, sem dó! Pôs-se a "Ceciliar" varanda adentro sobre a rede pincelando poemas nas nuvens. Nada seu, nada livre, de original nem a morte. "Quadro arremessa Barata Ribeiro sobre poeta triste".<br /><br />Receita e Conto: </span></span><span class="Apple-style-span" style="color: rgb(153, 153, 0); font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 180%;">®Ҝ</span>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2004230565076747045.post-76479594332213114092009-06-14T14:13:00.001-07:002009-08-19T19:50:12.422-07:00Liberdade<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnVL9gzWL5hZT1n4NnE2fOazgsBBxe-uhrYtwtLj_6sVFP9AAeSbKR8ovOU-kB6E5P2ycWOZO1e6WdDlytrK16_VHyGZQm9cYnurm81ETRyUzBSF2dHPlMKGThqKSi6OkOW9DvDkAXwmTZ/s1600-h/gata-rave1.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 214px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnVL9gzWL5hZT1n4NnE2fOazgsBBxe-uhrYtwtLj_6sVFP9AAeSbKR8ovOU-kB6E5P2ycWOZO1e6WdDlytrK16_VHyGZQm9cYnurm81ETRyUzBSF2dHPlMKGThqKSi6OkOW9DvDkAXwmTZ/s320/gata-rave1.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5371871241547446002" border="0" /></a><br /><br /><br />Comera pouco, toda a noite sob um bate-estacas infinito entre vultos de carne translúcida e as rusgas d´água que lhe tatuavam a testa e os seios. Uma pílula e uma garrafa d´água. Mãos entrelaçadas sobre a cabeça e o quadril levava todo o corpo na cabeça que pendia de cabelos negros encharcados de sorriso em suor. Sete lábios sobre sua boca, quatorze mãos sobre sua pele, pescoço, cintura, costas, coxas. Era tão certa e de tão lívida foi-se cálida e azul, era toda azul sob aquela luz negra que envidraçava os olhos, sombras engarrafadas. Desceu de um pé que deslizou perdendo-se entre outras duas pernas que em tropeço levaram o pouco de sanidade que inda borboleteava frente aos seus olhos que se embaçaram (envergonhados). De uma noite havia levado o que pensava fosse a liberdade, de uma festa havia restituído toda solidez que lhe dera o mundo, perdeu-se em abrir-se em flor para um manequim oco, era nada. Dos toques líquidos que se perdem no vácuo onde haveria atrito, sente que de tanta liberdade, ela mesma não a quis.<br /><br />Receita e Conto: <span class="Apple-style-span" style="color: rgb(153, 153, 0); font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 180%;">®Ҝ</span>Renato Kress ®Ҝhttp://www.blogger.com/profile/10890289956530090856noreply@blogger.com1