sábado, 26 de setembro de 2009

Alba



A manhã foi acordada pela silhueta de Daniela recostada sobre a porta da varanda e as cortinas brancas daquele apartamento encaixotado. Livros, cadeiras, móveis, estantes, cd’s, suas imagens se perdiam numa espécie fria de pedreira seca de grandes e pequenas pedras quadradas enroladas com fita isolante. No corredor nenhuma foto. Pregos órfãos silenciavam sobre as memórias que sustentavam a alguns dias. A aurora, rosada, parecia envergonhar-se daquele momento, de ser o prenúncio do fim daquela noite.


Olhava fixamente para Alexandre, deitado de costas. As costas nuas, as mãos por baixo do travesseiro, os lençóis mal cobriam suas coxas. Tentava contar as milhares de pintas daquelas costas, aquela pequena constelação daquele pequeno universo íntimo. A aurora, subindo por sobre o horizonte, roseou as paredes brancas como nunca. Nunca estiveram tão nuas, tão entregues. Daniela sorriu. Alexandre esticou o braço para o lado, não achou Daniela, levantou a cabeça.


- Esse seu perfume, qual é?
O rosa do universo, os olhos apertados e a franja sobre o rosto dele davam um aspecto engraçado ao rosto inchado de sono.
- Quê?
- Que perfume é esse, lindo?


Levou o pulso ao nariz e inspirou profundamente.
- XS, amor. Da Paco Rabanne. Não gosta?
- Amo. Vou comprar. Pra lembrar de você. Tô com ele no meu corpo todo.
- Vem aqui bonita...


Fizeram amor até a aurora morrer nos braços loiros do sol, antes acariciando, beijando, mordiscando, depois mordendo, pressionando, cravando, então gemendo, suando e urrando. Nasceram com o dia. Sentaram no chão da pequena varanda, sem móveis. Alexandre com as costas sobre a parede, Daniela sobre o peito de Alexandre, silêncio de minutos.


Duas horas depois saíam. Alexandre recebia o pessoal da mudança, Daniela pegava um táxi. Alexandre para Tubarão, Santa Catarina. Daniela chegou meia hora atrasada para o chek-in. Um ano na Austrália.

Conto e Receita: ®Ҝ

Se você pudesse transformar 12 contos do Café com Conto em curtas-metragens, quais seriam?