sábado, 16 de maio de 2009

Batismo





Enrugados. Os dedos estavam enrugados, a pele repuxada, a cabeça era pesada demais ou o pescoço já não tinha forças, não sei. Meu corpo estava ali, flácido, fraco, insensível. Minha consciência quase conseguia ver se a água estava se movendo ou se o vento aumentava sobre meus cabelos empapados no meu rosto. Meu queixo estava quase confortável no meu peito quando minha cabeça se jogou para trás e o vento gelou meu queixo e meu peito. Quis vomitar. Meu pescoço não tinha forças para jogar minha cabeça pra frente. Engasguei. Barulho infernal, que porra é essa? Sirene? Que merda...


Era sexta. Segunda semana da faculdade. A Míriam não tirava os olhos de mim e eu ficava todo idiota porque toda vez que subia o olhar das coxas dela encontrava o dela no meu, minha cara ia no chão, voltava nas coxas, enfim. Um dos veteranos colocou uma lona qualquer na parte de trás de uma D20. Todo mundo embarcou nos carros. Deu pra ouvir alguma coisa sobre Vargem Grande.


Uma das meninas chamou por alto "Míriam" e adivinha quem veio? Ela! Linda demais. Tinha muita gente na sala e ela pegou na minha mão para se escorar e passar entre duas pessoas. Queria abraçar ela do nada ali e mandaram a gente se separar em homens e mulheres. Ah, legal: tirando minha camisa e me pintando. Criatividade não parece ser o forte por aqui. Ela tá me olhando?


Deus, por que eu topei isso? Aparecer pra Míriam? Ela deve estar me achando mais idiota agora e esse imbecil não solta minha cabeça. Tá frio até dentro da cabeça, quanto mais me debato mais me canso. Esse imbecil não me solta! Talvez se eu apontar pro alto... a brincadeira acabou, cara! Que merda! Me solta! Soltou... fraco demais pra me virar de frente. A água pisca azul e vermelho? Tô enjoado. Não acho a borda... alguém me tira daqui!


Simulando uma procissão, esses caras são todos loucos! Acho que eu não deveria beber tanto. Tá todo mundo indo pra D20, o que deve estar rolando ali? Aquele moleque não sai de perto dela, puta que pariu! Vou chegar e puxar um papo assim, como quem não quer nada. Ela tá rindo. Ótimo: eu estufo o peito, vou chegando e tropeço nessa mangueira. Dá pra ser mais idiota? Ela riu?


As cores piscantes da água ficaram mais fortes. A D20 arrancou, bati com as costas, cabeça fora d'água . Graças a Deus, pensei que eu ia morrer ali.


Os carros seguiram por quase uma hora. Cervejas distribuídas e todo mundo rindo. No meio do caminho percebi que ela estava sentada do outro lado e só olhava para fora, pela janela. Arranquei uma folha de caderno e fiz uma flor. Aprendi no centro, num jantar com uma prima, uma menina que vendia rosas ensinou pra gente. Fui o último a aprender. Acho que só eu devo saber fazer isso até hoje. Fiz a rosa passar pelos joelhos do tal Victor, sentado entre eu e ela. Primeiro sorriso da noite. Deus, ela é linda!


Odeio sair de casa sem comer. Fome desgraçada. Tinha que ter dormido mais cedo ontem, mas com aquela menina na cabeça eu fiquei revirando a casa, lendo um monte de coisas pela metade, surfei na net, li Fernando Pessoa e até me aventurei a começar o Moby Dick. Noite desesperadora e agora acordei atrasado. Hoje é dia de trote, só espero que aquela menina apareça...


Receita e Conto: ®Ҝ

3 comentários:

Nath disse...

Amei amei amei!!!!!!!! O texto está ótimo!! Vc escreve perfeitamente bem e eu entendi completamente tudo!! E a prima?? A PRIMA SOU EU!!! Foi no dia da pulseira lembra? Ganhei uma do meu professor e foi a menina da pulseira quem ensinou a fazer a flor!! AMEI AMEI - é isto mesmo ou estou ficando louca??? Batismo hum... rsrsrs TE ADORO PRIMUS!!! bjs

Renato Kress ®Ҝ disse...

A gente tem que tirar as idéias de algum lugar uai! rs
Te adoro demais prima!
Sinceramente estava achando que esse conto tinha ficado louco demais e que ninguém tinha gostado.

Marcelo Shopper disse...

Delicioso o texto. Rs. Singeleza que dá até vontade de pedir um reingresso. Ahh meus tempos! RS. Parabéns.

Se você pudesse transformar 12 contos do Café com Conto em curtas-metragens, quais seriam?